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Chico Buarque ao lado de Dilma antes da sessão deliberativa do impeachment da presidente, em agosto de  2016. | Jane de Araújo/Agência Senado
Chico Buarque ao lado de Dilma antes da sessão deliberativa do impeachment da presidente, em agosto de 2016.| Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Um artista busca incessantemente por uma perfeição estética. Suas criações e inspirações devem refletir a visão particular que cada um tem do que é belo. E isso não é diferente na análise que fazem da política. Eles buscam esse oásis em meio à feiura da realidade e é por isso que tendem a defender governos que pregam uma igualdade que nem sempre se torna concreta. Como cidadãos em uma sociedade democrática, os artistas têm direito de expor sua opinião se assim o quiserem, mas, na outra ponta, seus admiradores não precisam ‘comprar’ seus posicionamentos como também perfeitos. Bastaria apenas continuarem fãs de suas criações.

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Em “O Ópio dos Intelectuais”, de 1954, o filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983) já analisava essa tendência e criticava a cegueira de alguns grandes nomes da ‘intelligentsia’ aos efeitos colaterais de alguns regimes que se pretendiam igualitários. “É um encaminhamento em conformidade com a lógica das paixões. Quantos intelectuais foram para o partido revolucionário por indignação moral e acabaram aceitando o terrorismo e a razão do Estado!”, afirmou.

“Quando se observam as atitudes dos intelectuais na política, a primeira impressão é de que são semelhantes às dos não intelectuais. Manifesta-se, tanto nas opiniões dos professores ou dos escritores, quanto nas dos comerciantes ou dos industriais a mesma mistura de meio-saber, de preconceitos tradicionais e de preferências mais estéticas do que racionais”, resumiu Aron.

Desencanto

A leitura da obra do francês influenciou o ‘desencanto’ de gente como o escritor peruano Mario Vargas Llosa com o socialismo. “Aron dizia: a democracia é imperfeita e frequentemente impregnada de corrupção. No entanto, ela criou as sociedades mais civilizadas da história. E é o sistema que reduziu mais a violência”, afirmou o peruano durante o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, realizado em maio de 2016, em São Paulo.

A fala ‘liberalizada’ do ganhador do Nobel de Literatura admite que a democracia demanda um caos perturbador à alma do artista, confusão essa que é impossível extirpar dos processos políticos. “Acabei aceitando que a democracia não era a máscara da exploração, como havia acreditado antes e como acreditavam os socialistas latino-americanos daquele tempo. A democracia efetivamente partia do pressuposto de que o paraíso não pode ser criado na Terra em termos sociais, mas que se podia ter sociedades aperfeiçoáveis e capazes de reconhecer os seus erros e corrigi-los”, afirmou.

Perfeição nas artes. Ponto

Trazendo a questão para a contemporaneidade, não raro o posicionamento político de um artista valida inclinações dos fãs nas urnas ou em inofensivas discussões em mesas de bar. Em casos extremos, faz também com que um admirador transforme um ídolo em pária assim que descobre em quem ele pretende votar na próxima eleição. Qualquer uma das opções, porém, é equivocada.

Um artista tem resultados tão impressionantes em sua atividade justamente por sua procura quase obsessiva pela perfeição estética. Se isso se reflete em suas opiniões políticas, o exercício de separar as duas esferas é importante. Não vale, portanto, xingar Chico Buarque de “vagabundo da lei Rouanet” ou, em outra ponta, esconder dos amigos que ainda gosta “de algumas músicas do Lobão”. Assumir para si as escolhas da intelligentsia também não é uma opção. O conjunto de convicções políticas é tão individual quanto o gosto musical e pode ser construído por muitas coisas mais além da boa sensação de concordar com uma personalidade a qual se admira muito.

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