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Para os iraquianos, assistir a Guerra ao Terror foi reviver um capítulo recente de suas vidas. Nada era distante e abstrato | Divulgação
Para os iraquianos, assistir a Guerra ao Terror foi reviver um capítulo recente de suas vidas. Nada era distante e abstrato| Foto: Divulgação

Bagdá - Prazeres simples ainda são elusivos por aqui, mas numa preguiçosa tarde de sexta-feira – um dia antes do sétimo aniversário da invasão americana do Iraque – cerca de uma dúzia de homens foi ao cinema para assistir à sua guerra. Em vez de pipocas, eles comeram biscoitos. O filme era um DVD pirata de Guerra ao Terror, comprado por US$ 1 e projetado a partir de um laptop numa tela grande.

Para esses espectadores, o tema era visceral e pessoal. "Sempre que íamos trabalhar, ou quando viajávamos, víamos os norte americanos tentando desarmar bombas", disse Zaher Karim, 29 anos, que trabalha como operador de câmera. "Víamos esses dispositivos, esse robô, que os iraquianos apelidaram de ‘Hamodi’."

Numa cidade de 7 milhões de pessoas, mas poucos cinemas funcionando, os homens disseram que essa era a primeira exibição pública do filme, ganhador recente do Oscar que retrata uma unidade de soldados americanos através de Bagdá e desfazendo-se de carros-bombas – com seus próprias mãos e roboticamente – e dispositivos explosivos improvisados, ou IEDs. "Deveríamos ser os primeiros a vê-lo, mas apenas o acompanhamos pelos jornais", disse Abdul Rasoul Hassan, 57 anos, matemático aposentado.

Antes do Oscar, no dia 7 de março, o filme sofreu duras críticas por parte de veteranos norte-americanos, pelo que eles afirmaram serem retratações imprecisas da vida militar e da guerra no Iraque. Os iraquianos reunidos no clube de cinema da União de Escritores Iraquianos, uma sociedade literária para a intelectualidade de Bagdá, não eram um público fácil.

Bassam Abbas, advogado, saiu para fumar. Um açougue em uma das cenas tinha a palavra errada em árabe na entrada, disse ele. Era a palavra usada pelos jordanianos, não iraquianos (o filme foi rodado na Jordânia). "Pelo menos eles poderiam ter usado um consultor para ensinar essas coisas", disse Abbas, 57. "E o sotaque não é iraquiano." Ele disse que o sotaque parecia egípcio, o que talvez não seja grande surpresa, já que o Egito é o centro da indústria do entretenimento do mundo árabe. Abbas disse que uma cena, no começo do filme, na qual um homem iraquiano passa por um cordão de isolamento e dirige perto de um soldado enquanto ele se aproxima de um IED, era equivocada, pois o iraquiano não morreu. "Ele seguramente teria sido baleado", disse Abbas. "Eu me pergunto como esse filme ganhou um Oscar", afirmou. "É irreal, apesar de eu não ser crítico de cinema."

Para os homens ali, assistir ao filme era reviver um capítulo recente de suas vidas. Nada era distante e abstrato. E o tema – uma única unidade americana de neutralização de bombas – tinha uma repercussão especial, pois inúmeros iraquianos já sentiram, em primeira mão, as consequências de explosivos improvisados. "Eu já vi com meus próprios olhos um robô desarmar um IED quando a presença americana era pesada nas ruas", disse Abbas. Ele reclamou que o filme não tocou em alguns dos aspectos mais dolorosos da guerra para os iraquianos, como "os casos de tortura em Abu Ghraib ou os disparos aleatórios de comboios americanos que causaram danos a civis iraquianos". Mas o homem disse que muitas vidas foram salvas pelas equipes americanas de neutralização de bombas.

Oday Manei, 29 anos, cineasta, disse que "a unidade que o filme mostrou foi a unidade que mais ajudou os iraquianos’. Como em outros lugares desta cidade sofrida, a arte é uma obra em andamento, e a exibição de Guerra ao Terror faz parte de um esforço de jovens entusiastas do cinema para reviver uma cultura de filmes adormecida.

Cinemas vibrantes que atraem famílias são uma relíquia de uma Bagdá antiga, de muitos anos antes da invasão americana, uma época anterior às sanções das Nações Unidas, que prejudicaram a vida econômica do país. Os DVDs, no entanto, estão prontamente disponíveis em lojas, onde até cópias piratas de filmes atualmente em exibição em cinemas americanos podem ser compradas por US$ 1. "Estamos motivando as pessoas a vir para um lugar que parece com os suntuosos cinemas da década de 1970, quando eles poderiam ver um filme na tela grande", disse Manei, que, com quatro amigos, organizou o grupo de cinema da sexta-feira na união dos escritores.

As restrições a expressões artísticas ficaram no passado, mas há pouco dinheiro para pagar por uma produção cinematográfica no Iraque. Manei afirmou que gostaria de fazer um documentário dramático sobre um policial iraquiano que de dia trabalha como especialista em desarmamento de bombas e de noite é músico. Mas, por enquanto, quase todos os filmes no Iraque são estrangeiros. Até quando os homens se opuseram a muitos dos detalhes de Guerra ao Terror, eles pareciam perceber que o filme seria parte importante da memória histórica de sua guerra. "No futuro, quando formos conversar com nossos filhos e netos sobre o que aconteceu aqui, o filme é uma coisa que vamos mostrar a eles", disse Hassan.

Tradução: Gabriela d’Ávila

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