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As pianistas Grace Torres e Lilian Nakahodo compartilham interesse por compositores contemporâneos | Marco André Lima / Gazeta do Povo
As pianistas Grace Torres e Lilian Nakahodo compartilham interesse por compositores contemporâneos| Foto: Marco André Lima / Gazeta do Povo
  • Instrumentos de trabalho usados para
  • Por 20 anos, a diretora do espetáculo Vera Di Domênico desejou fazer Sonatas e Interlúdios
  • Parafusos pendem das cordas do piano

Uma lupa descansa sobre a mesa a alguns metros do piano. "Este é o nosso instrumento de trabalho", diz a pianista Vera Di Domênico, pegando a lente de aumento para mostrar as anotações feitas à mão por John Cage (1912-1992) na fotocópia da partitura de Sonatas e Interlúdios, peça a ser tocada na íntegra pelas pianistas Grace Torres e Lilian Nakahodo no palco do Teatro HSBC.

Sob a direção de Vera, professora das duas intérpretes, os espetáculos da próxima sexta-feira e sábado, às 20 horas, resultarão em um CD gravado ao vivo e são considerados raros. Ou mais: são necessários. Por algum motivo obscuro, poucos se dispõem a enfrentar a obra de John Cage.

O compositor norte-americano, um dos homens que debulharam a música erudita no século 20 – e poucos foram capazes disso –, explorou o silêncio como ninguém antes dele. Defendia uma música permeada pelos sons cotidianos e chegou a criar mecanismos como o "piano preparado" para dar conta daquilo que tinha em mente.

Sonatas e Interlúdios é a composição mais famosa de Cage para o "piano preparado", criada entre 1946 e 1948. Ele não permitiu que passassem suas anotações a limpo e cabe aos músicos desvendarem as partes mais ambíguas do registro, feito com bico de pena (o que explica a lupa).

O "piano preparado" parece um objeto de ficção científica. Das cordas do instrumento, pendem parafusos, pedaços de plástico e até uma típica borracha escolar, meio vermelha e meio azul. É um instrumento saído da imaginação de um doutor Frankenstein – neste caso, Cage.

Uma "bula" acompanha a partitura de Sonatas e Interlúdios, com indicações minuciosas sobre onde encaixar cada um dos objetos. Ao todo, 45 notas são alteradas e o resultado deixa de ser um piano para se tornar outro instrumento, mais percussivo, que remete às orquestras de gamelão da Indonésia. Uma hipótese para a resistência dos músicos a Cage é exatamente essa transformação que arranca o pianista de sua zona de conforto.

"[A música de Cage] diz muito do momento atual, do ser humano de hoje", diz Vera, e emenda uma comparação. "Você pode sair na rua com uma roupa do século 17. Uma roupa linda que você gosta, mas ela é de outra época. O mesmo serve para a música. Se você me perguntar se gosto de Beethoven... Eu adoro! Assim como adoro Cage."

Há pelo menos duas décadas que Vera pensa em levar Sonatas e Interlúdios para o palco. Lilian e Grace se tornaram alunas dela em parte pelo interesse da professora nos compositores contemporâneos. Numa conversa cerca de dois anos atrás, surgiu a ideia de um projeto para oferecer às leis de incentivo. Vera se lembrou de Cage no ato.

"Para o Cage, a música não pode se alienar dos sons da vida", diz Grace. Seu primeiro contato com a obra do norte-americano foi por meio de um livro de poesia, embora ele não seja lembrado como poeta. Amigo do pintor Jackson Pollock (1912-1956), que parecia fazer com a artes plásticas o que Cage fazia com a música, o compositor causou um forrobodó com 4’33’’, uma peça de 4 minutos e 33 segundos de duração em que não há uma nota sequer. Uma proposta extravagante, sem dúvida.

"Apesar dos parafusos, a música de Cage [Sonatas e Interlúdios] leva as pessoas a pensarem em imagens delicadas, de vidros e de água", diz Lilian, citando as reações daqueles que tiveram chance de ouvir os ensaios.

Para Grace, a irreverência de Cage era uma característica memorável. Ele foi um dos primeiros a fazer a "música do acaso" (chance music), explorando a aleatoriedade, uma noção que se insinua no "piano preparado" – pois cada instrumento produz sons diferentes depois da inserção da parafernália citada na "bula".

"O que ouvi no ensaio, apesar de minha cultura a respeito das gravações já existentes dessa obra ser limitada, me deu a certeza de estar diante de uma execução perfeita, em alto nível técnico e de excelência interpretativa", escreveu o músico e historiador André Egg, professor Faculdade de Artes do Paraná, no blog Amálgama. "O que vi foi uma coisa impressionante."

São 16 sonatas e quatro interlúdios que somam 70 minutos, divididos entre Lilian e Grace, que deverão usar um figurino desenhado para o espetáculo. Será uma das poucas ocasiões em que os músicos não deverão se incomodar com uma tosse ocasional, ou outros barulhos vindos da plateia. Ao menos em tese, a música de Cage é capaz de incorporar todos os sons não previstos na partitura.

Serviço:

Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado – Recriação de um Antigo Instrumento, de John Cage (gravação ao vivo de CD). Teatro HSBC (Av. Luiz Xavier, 11), (41) 3315-0040 e 3777-6528. Com as pianistas Lilian Nakahodo e Grace Torres. Sexta-feira e sábado, às 20 horas. Ingresso: R$ 5 (preço único). Desconto de 20% para clientes HSBC. À venda no Disk Ingressos pelo telefone (41) 3315-0808 e nos quiosques dos shoppings Mueller, Total e Estação. Na internet: www.diskingressos.com.br.

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