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Ficcionista interessado em pessoas, Cristovão Tezza mostra a divisão do país em “A Tradutora”. | Hugo Harada/Gaezta do Povo
Ficcionista interessado em pessoas, Cristovão Tezza mostra a divisão do país em “A Tradutora”.| Foto: Hugo Harada/Gaezta do Povo

Curitiba, 2013.

Beatriz trabalha duro para traduzir o livro de um filósofo catalão, Xaveste, conservador até os ossos, enquanto tem que lidar com os percalços do namoro com o escritor Donetti - um esquerdista brasileiro arquetípico.

Toca o telefone. É um executivo da FIFA que a convida para trabalhar no staff da entidade durante os preparativos para o mundial na cidade. Tudo isso enquanto a política ferve nas ruas.

Com este argumento e pano de fundo, “A Tradutora”, novo romance do escritor Cristovão Tezza, mostra o Brasil dividido que se confrontou nas ruas de 2013 através dos olhos de Beatriz. Ao mesmo tempo, o autor dá nova dimensão àquela que assume como sua “personagem preferida”.

Ela apareceu primeiro em sua obra como a revisora de textos que se apaixonou pelo escritor mais velho no livro “Um Erro Emocional”, de 2010.

A jovem do romance anterior ressurge como uma “mulher de seu tempo”, em um mundo de homens pouco brilhantes.

“Eu tinha vagamente dois temas de contos na cabeça, e um amigo me sugeriu, um ano antes da Copa: por que você não escreve um conto com a Beatriz trabalhando de intérprete na Copa, aqui em Curitiba?”, conta Tezza.

A ideia cresceu. O que seria uma história curta virou um romance. A mesma coisa já havia acontecido com “Um Erro Emocional”. Há outra semelhança entre os dois livros.

A primeira aparição de Beatriz foi no livro seguinte, “O Filho Eterno”, que mudou a carreira do escritor, depois de ganhar os mais importantes prêmios nacionais e até internacionais.

Agora, após “O Professor”, que Tezza chama de “uma viagem longa, a história de um homem no fim da vida fazendo as contas do que viveu”.

“Era tentadora a ideia de escrever um livro mais leve. Beatriz agora é uma mulher de 30 anos, cheia de planos e de vida”.

Política “padrão FIFA”

“A Tradutora”

Cristovão Tezza. Record, 208 páginas, R$ 42,90.

O autor lança o livro no sábado (22), às 11 horas da manhã, na livraria Arte e Letra (Alameda Dom Pedro II, 44 – Batel), (41) 3223-5302.

Para construir o romance de registro realista, Tezza não pôde evitar as questões políticas que ferviam em torno da realização do mundial.

Beatriz auxilia um executivo da FIFA que, por sua vez, é assessor do famigerado Jerôme Walcke, o ex-secretário-geral da entidade que ameaçou “chutar o traseiro” do Brasil.

“Vivemos um Brasil cindido a céu aberto. Não dá para pensar nada sobre o país sem considerar essa divisão”.

O livro, porém, não toma partido. Com a ironia habitual, Tezza olha criticamente para os lados em conflito, a partir dos erros e acertos emocionais de Beatriz. Para ele, o livro só tem contornos políticos pelas circunstância inevitável.

“Como o tema era brutalmente contemporâneo – a Copa do mundo aqui na porta -, o ’pacote Brasil’ entrou de cambulhada no livro”.

Tezza ressalta, porém, que é um “ficcionista, interessado em pessoas, em hipóteses existenciais, e não um teórico interessado em explicações definitivas sobre nada”.

“Um romance nunca é um livro sobre ideias, mas sobre pessoas que têm ideias”.

As teses do escritor catalão traduzidas pela personagem central são um contraponto conservador à visão dominante da esquerda brasileira, que às vezes chocam a tradutora e são completamente antagônicas às ideias de seu namorado.

“Na verdade, eu me divertia com ele, aquele rosário de blasfêmias retóricas contra os chavões acadêmicos dominantes. Bem, como qualquer ficcionista faz com seus personagens, entrei na pele do Xaveste em vários momentos”.

Linguagem

Tezza explica que seu novo romance, foi tocado “por intuição, sem nenhum planejamento prévio”. Assim, a linguagem fragmentada que o autor vem desenvolvendo na última década é radicalizada.

Há trechos em terceira, devaneios da narradora em primeira pessoa, diálogos em tempos diferentes e trechos da tradução (e das dúvidas da tradutora) do texto iconoclasta de Xavaste.

Para Tezza, esta fragmentação não causa nenhum problema de leitura, “nós já fazemos mentalmente este jogo o tempo todo”.

Para ele, o célebre “narrador onisciente”, amaldiçoado pela modernidade, jamais morreu, “apenas ganhou uma sofisticação formal capaz de dar conta mais convincentemente de seu clássico controle do mundo”.

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