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A Casa de Rui Barbosa liberou nesta quinta (18) o acesso à única carta de Mário de Andrade que, pertencente ao acervo de Manuel Bandeira na instituição desde 1978, ainda não tinha sido aberta a pesquisadores. Em trecho que ainda era desconhecido, o escritor comenta sua “tão falada (pelos outros) homossexualidade”.

A carta foi originalmente publicada pelo próprio Bandeira, em 1958, com um “X” substituindo um nome próprio e alguns parágrafos omitidos. Na carta, eles estão riscados com caneta vermelha.

Diz o trecho:

“Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria para nós ambos, para você, ou para mim, comentarmos e eu elucidar você sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade. Em nada. Valia de alguma coisa eu mostrar um muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais.

Pra você me defender dos outros, não adiantava nada pra mim, porque em toda a vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só me interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão absolutamente desprezível de uma verdade inicial.

Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo para a minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu, ha-de estar bem inteirado do assunto, ha-de tê-lo bem catalogado e especificado. Ha-de ter tudo normalisado em si, si é que posso me servir de “normalisar” neste caso. Tanto mais Manu, que o ridículo dos socializadores da minha vida particular é enorme. Note as incongruências e contradições em que caem: o caso de “Maria” não é típico. Me dão todos os vícios que por ignorância ou interesse de intriga são por eles considerados ridículos e no entanto assim que fiz de uma realidade penosa a “Maria”, não teve nenhum que caçoasse falando que aquilo era idealização para desencaminhar os que me acreditam nem sei o quê, mas todos falaram que era fulana de tal. Mas si agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua (veja como tenho minha vida mais regulada que máquina de precisão) e se saio com alguém é porque esse alguém me convida. Si toco no assunto, é porque se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas.

Ah, Manu, disso só eu mesmo posso falar. E me deixe que ao menos para você, com quem apesar das delicadezas da nossa amizade, sou de uma sinceridade absoluta, me deixe afirmar que não tenho nenhum sequestro não. Os sequestros num caso como este, onde o físico que é burro e nunca se esconde entra em linha de conta como argumento decisivo, os sequestros são impossíveis.

Eis aí os pensamentos jogados no papel sem conclusão nem consequência. faça deles o que quiser.”

Em outra parte da carta, não relacionada a esse trecho omitido, Mário se refere à amizade com Oswald de Andrade, de quem se tornaria desafeto. É “Oswaldo” o nome substituído por “X” no trecho em que o modernista escreve: “E o mais bonito, Manu, é que o X não é meu amigo, fique sabendo. Eu é que sou amigo dele”.

A carta veio à tona por determinação da Controladoria-Geral da União, atendendo a pedido, via Lei de Acesso à Informação, do jornalista Marcelo Bortoloti, da revista “Época”, em fevereiro.

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