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A ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch com o mediados Paulo Roberto Pires | /
A ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch com o mediados Paulo Roberto Pires| Foto: /

Com menos visitantes em Paraty e frequência menor de público na tenda dos Autores, a 14ª Festa Literária de Paraty (Flip) terminou neste domingo (3) marcada por protestos políticos e pela polêmica sobre a ausência de escritores negros entre os convidados.

No sábado (2), uma manifestação com tambores se colocou diante da tenda dos autores, no começo da mesa com a escritora bielorrusia Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do prêmio Nobel em 2015. A Flip considerou o protesto um “ponto negativo”.

“Era uma manifestação legítima, reuniu vozes que estão se expressando no Brasil. Mas ficou um ruído que interferia com a Svetlana. O que ela tinha para falar era de interesse das pessoas nas manifestações. Não foi um alinhamento legal”, disse Belita Cermelli, diretora da Casa Azul, associação que produz a Flip.

Na última mesa do evento, no domingo (3) em que tradicionalmente os autores convidados leem trechos de seus livros favoritos, acabou com uma intervenção contra o presidente interino, Michel Temer (PMDB).

Ao final, enquanto os autores desciam do palco e após os agradecimentos do curador, Paulo Werneck, foram projetadas no telão da tenda as frases “Temer jamais” e “Não pise na democracia”. A projeção parece ter partido da plateia.

A direção da Flip afirmou que encarou esse ato da mesma forma como viu protestos que aconteceram durante e evento e comentários políticos dos autores: nem condena, nem endossa.

Essa não foi a única manifestação política na mesa, que em geral é pacata. O escritor João Paulo Cuenca terminou sua leitura de Lima Barreto dizendo “Fora Temer, fora Dornelles, fora Paes, fora PMDB, fora República Velha”.

Sem negros

Desde a abertura do evento, o curador Paulo Werneck foi confrontado pela escritora Conceição Evaristo sobre a falta de negros na programação principal. Werneck respondeu que convidou vários, citando a cantora Elza Soares e o rapper Mano Brown, dizendo que e até “aporrinhou” alguns nomes, insistindo que eles comparecessem à Flip. Conceição respondeu que adoraria ter sido “aporrinhada” pelo curador.

Mesmo com o orçamento muito menor, os questionamentos sobre a curadoria maiores e alguns escorregões da programação o saldo da 14ª Flip é positivo.

Difícil derrubar o moral do evento com o time de estrelas que ocupou a tenda dos autores, diferentemente da edição anterior. Karl Ove Knausgård, escritor norueguês que virou sensação mundial, e Svetlana Aleksiévitch corresponderam às expectativas.

Ele contou como foi usar a própria vida como experimento literário. Já ela emocionou a plateia relatando como busca a verdade sobre episódios históricos recolhendo relatos de pessoas comuns.

Em ambas as mesas, a tenda dos autores e a do telão ficaram lotadas. Ambas as mesas devem ficar no elenco de debates memoráveis da Flip. “Vi momentos emocionantes e de alta inteligência. Para mim, foi uma grande Flip”, afirmou Paulo Werneck, curador da festa.

Com pouco dinheiro, a Flip não teve show de abertura. Mas a aposta num sarau foi bem-sucedida, em parte por causa da apresentação animada da atriz Roberta Estrela d’Alva e de participações vibrantes como a da inglesa Kate Tempest.

As mesas sobre Ana Cristina Cesar --poeta que não está no cânone e não é muito conhecida do público em geral-- conseguiram apresentar uma justificativa para sua escolha pela Flip. Na primeira delas, com Laura Liuzzi, Marília Garcia e Annita Costa Malufe, foi apontada a influência temática e estética que sua poesia deixou para novas gerações.

Já o debate com Benjamin Moser e Heloísa Buarque de Hollanda, responsável por revelar a autora, teve um tom de conversa na varanda --eles compararam Clarice Lispector a Ana C. e contaram histórias de ambas.

A discussão entre os críticos literários Sérgio Alcides e Vilma Arêas foi a mais profunda. Eles fizeram uma análise em pormenores sobre por que consideram a poesia de Ana C. fundamental.

“Fizemos a escolha deliberada de trazer um autor que ainda está em processo de consagração, o que me pareceu interessante”, disse Werneck.

Gafes e vaias

Houve fracassos, porém. O encontro da escritora Juliana Frank e da jornalista Gabriela Wiener, que prometia animar a noite de sexta (1º), rendeu constrangimento à plateia e à equipe da Flip.

O mediador Daniel Benevides apontou a filha de Wiener, na plateia, e afirmou que, para quem acha que a peruana é “devassa”, a menina seria a prova de que era uma mulher que se importa com a família. Ele se desculpou em seguida.

Parte da plateia deixou a mesa antes do fim, inclusive Mauro Munhoz, diretor-presidente da Casa Azul, organização que promove a Flip. Ele disse que tinha “um jantar”.

No domingo (3) o poeta sírio Abud Said foi vaiado e xingado por alguém da plateia.

Na mesa “Síria, Mon Amour”, que reuniu, ontem, o escritor sírio Abud Said e a jornalista Patrícia Campos Mello. Said repetiu o que vinha falando desde sua chegada a Paraty: não gosta de falar de política.

O escritor desviou do tema, por vezes de forma grosseira, e ainda criticou os repórteres que cobrem o conflito - como Patrícia - e “a turma dos direitos humanos”. Na sua visão, todos fazem “jogo sujo”.

Em entrevista coletiva, ontem, o arquiteto Mauro Munhoz, presidente da Casa Azul (organizadora da Flip) e o curador Paulo Werneck negaram que houve “curto-circuito” na mesa sobre sexo. Para Munhoz, nem todos os debates funcionam e essa “exceção confirma a excelência da programação”. Sobre o sírio, Werneck disse que era legítimo ele não falar de política:“Diante de uma crítica sobre direitos humanos, é natural que a plateia tenha reação. Também houve autores britânicos que não quiseram falar sobre o Brexit”.

Crise

A crise econômica afetou a Flip, que teve seu menor orçamento (R$ 6,8 milhões) desde 2006. Também fez o número de pessoas na tenda diminuir. Este ano, foram 12 mil registros de pessoas entrando na tenda, mil a menos que ano passado.

Na entrevista coletiva, outro assunto dominante foi a crise. Munhoz ressaltou que a Flip passou por percalços para captar recursos e precisou encontrar soluções criativas para manter as suas atividades. Sobre o menor número de visitantes em Paraty, ele lembrou as dificuldades causadas pela Olimpíada. E explicou que, caso o evento fosse realizado uma semana depois, os custos seriam maiores devido à proximidade com os Jogos.

Mais vendidos

Na Livraria da Travessa, parceira oficial do evento, os cinco livros mais vendidos DA Flip foram: “A guerra não tem rosto de mulher?, de Svetlana Aleksiévitch; “A teus pés”, de Ana C.; “Vozes de Tchernóbil”, de Svetlana (os três da Companhia das Letras); “Autoimperialismo, três ensaios sobre o Brasil” (Planeta), de Benjamin Moser; e “Todos os contos” (Rocco), de Clarice Lispector, organizado por Moser.

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