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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

O jornalista Carlos Maranhão trabalhou por mais de 40 anos na Editora Abril atuando em cargos de direção nas revistas Veja e Placar.

Um dia, o presidente da editora, o empresário Roberto Civita (1936-2013), convidou o repórter para escrever a quatro mãos um livro de memórias.

A morte de empresário em 2013 interrompeu o projeto que renasceu, três anos depois, como uma biografia escrita por Maranhão.O livro “Roberto Civita: o Dono da Banca” parte da figura de Civita, um homem movido a paixões e contradições pessoais e políticas para mostrar um parte importante da história da imprensa e do país.

Da a ascensão da revista Veja como a publicação mais importante do país, às relações do grupo com a política nacional e os erros e acertos editoriais da Abril,a maior editora de revistas da América Latina.

Curitibano, Maranhão conversou com o Caderno G sobre como construiu a biografia e quem é o Roberto Civita que emerge de sua pesquisa.

A ideia do livro era um projeto dele, Roberto Civita e você seria apenas o “ghost writer”. A morte dele em 2013 é que fez você mudar de planos?

A ideia do livro surgiu dele. Eu trabalhei 40 anos na Editora Abril. Um dia ele me chamou e, para minha surpresa, disse-me que havia pensado em escrever as memórias. Um projeto antigo que tinha abandonado outras vezes, um pouco por falta de interesse e um pouco por falta de tempo, mas que então ele queria fazer e perguntou se eu topava fazer junto com ele. E eu disse que sim.Propus então uma série de entrevistas em ordem cronológica sobre a vida dele e nos acertamos que seria basicamente um livro de memórias do editor Roberto Civita em depoimento a Carlos Maranhão.Depois de oito sessões de entrevista ele se internou no hospital. Ficou lá 104 dias e não saiu com vida. Aquele projeto morreu junto com ele. Eu deixei passar um tempo e amadureci na minha cabeça uma outra ideia: queria fazer um livro meu. Eu usaria aqueles depoimentos apenas como um ponto de partida.

Você teve anuência da família Civita para escrever a biografia?

Eu queira fazer um livro independente, mas tive que ter o aceite dos filhos porque, se eles fossem contrários, não iriam me dar entrevista, nem me ajudar no acesso a arquivos e a documentos. Eles me derem sinal verde, sem nenhuma exigência. Então tomei a decisão mais difícil de minha vida profissional: me demiti da Abril. Por duas razões. Eu precisava de dedicação exclusiva para fazer este livro e precisava ter independência. Como poderia dizer que fiz uma biografia independente sendo funcionário da empresa. Então eu saí e mergulhei a fundo em quase três anos.

Por ser um livro sobre alguém que foi seu patrão durante muitos anos, havia o risco de que biografia soasse “chapa branca”. Como você evitou isso?

Acredito que consegui evitar isso completamente. É algo reconhecido pelos filhos e por algumas resenhas importantes que saíram na imprensa. Eu tratei de contar a história da melhor maneira possível. Em nenhum momento quis fazer uma hagiografia. Queria mostrar as contradições de um homem que era cheio delas e espero que tenha conseguido.

E quais eram estas contradições?

Ele não gostava de confronto. Tinha dificuldade de afastar pessoas em que ele não apostava mais. Ele era muito tolerante com pessoas, mas nem tanto com ideias. Ele era um defensor da liberdade de expressão. Do ponto de vista de comportamento, ele era um liberal ao extremo, defensor do aborto, por exemplo. Do ponto de vista econômico, um liberal ortodoxo, a favor da não presença do Estado na economia e da livre iniciativa. Do ponto de vista político, era um homem conservador.

Eu tratei de contar a história da melhor maneira possível. Em nenhum momento quis fazer uma hagiografia. Queria mostrar as contradições de um homem que era cheio delas e espero que tenha conseguido.

Estas posturas pessoais e políticas de Roberto Civita se refletiram na linha editorial da revista Veja?

Aos poucos, sim. Ele corrigia a Veja inteira, todos os elementos da pagina do começo ao fim da revista do número zero até a ultima edição da semana em que ele morreu. Umas 2,3 mil revistas. Mas aí que estão as contradições. Durante muito tempo o diretor de redação da revista Exame era o Rui Falcão que hoje é o presidente do PT. Na época, já era um quadro do PT. Na cabeça do Civita, porém, não haveria nenhum problema em alguém que tenha uma militância dirigir uma revista. Desde que respeite determinados acordos. E, no caso da Exame sob a direção do Falcão, a revista contrariou a linha política da empresa em muitas vezes. Mesmo assim ele manteve o Falcão à frente da Exame por quase dois anos.

Roberto Civita: o Dono da Banca

Carlos Maranhão

560 páginas

Companhia das Letras

R$ 69,90

Biografia

Por que a Veja é tão amada e odiada ao mesmo tempo?

A Veja teve várias fases. Nos seis ou sete primeiros anos, o Mino Carta foi diretor de redação e a revista tinha uma cara até meio confusa em determinados momentos. Nos quinze anos seguintes, quando o José Roberto Guzzo dirigiu a revista, boa parte deles com o auxílio do Elio Gaspari, ela encontrou o caminho dela e se tornou sem dúvida na revista mais importante do país. A circulação da revista passou de 180 mil para mais de um milhão. A radicalização da revista passou a acontecer não com a entrada do PT no poder com a vitória do Lula. Se você for consultar a história, havia poucas capas contrárias ao governo PT de forma incisiva, o que aconteceu depois. Tinha matérias simpáticas ao Lula e a figuras do governo como Palocci. Depois do “mensalão”, a Veja mudou por completo e passou a considerar que era tarefa dela denunciar o que ela considerou o maior escândalo na história da política brasileira algo que se tornou pequeno perto do “petrolão”. Civita acreditava que a revista tinha que dar as informações a partir desta opinião: o leitor da Veja esperava que a revista ficasse indignada e que mostrasse claramente o que ela pensava. Se isto está certo ou errado, só os números podem indicar. E eles demonstram que a revista manteve uma circulação por sempre atender a expectativa e o interesse do leitor dela. E foi assim que ela tornou-se a instituição mais odiada pela esquerda.

A Veja teve uma atuação fundamental no processo que culminou com a queda do governo Collor. Como era a relação de Civita com os governos em geral?

Ele procurava ter uma atitude independente, sem prejuízo do fato que dentro do grupo Abril havia um setor que fazia livros didáticos que eram vendidos para o governo. Ele sempre entendeu que as coisas eram separadas. O caso da investigação que acabou por derrubar o Collor foi um momento de coragem da Abril e dele. Muitos empresários que antes eram amigos viravam a cara para ele, mas ele foi até o fim. Também é verdade que ele tinha uma fascinação (para usar uma de suas palavras preferidas) por certas figuras, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O que não significava que ele pedisse para a direção da Veja defender o FHC.

Civita acreditava que a revista tinha que dar as informações a partir desta opinião: o leitor da Veja esperava que a revista ficasse indignada e que mostrasse claramente o que ela pensava.

A trajetória do Roberto Civita à frente da Abril também teve grandes erros. Quais foram os maiores?

No que toca aos erros, o maior foi não saber diversificar. Foram momentos dramáticos as experiências com portal na internet e televisão. Quase quebraram a Abril. No livro, eu reproduzo uma carta dele em que ele comenta o mal passo dado com TVA e a MTV, dizendo que “isso é o que acontece quando se investe em meio não-guttembergianos”. Ele acreditava na revista, mais do que em qualquer outra coisa. O mundo dele era o das revistas.

Por que as investidas na televisão deram errado?

Ele nunca mergulhou a sério nisso. Ele demorou para perceber que a tevê por assinatura exigia muito dinheiro, capital intensivo. Chegou a ficar com uma divida de R$ 500 milhões. Era um risco grande demais. Ele achou que teria uma concessão para ter monopólio da tevê a cabo. O maior erro foi achar que pela Abril ter grande expertise em assinaturas ele seria transferido para tevê, mas eram dois mundos diferentes.

E quais os principais acertos?

A Veja, certamente. E os fascículos vendidos em bancas que foram muito importantes, por tudo o que eles representaram. Uma grande contribuição que Editora Abril deu ao país e no qual Roberto Civita teve uma participação muito grande. Foi a venda dos fascículos da Bíblia, de livros de arte e filosofia, de discos de musica popular e clássica que tornaram a Editora Abril rica e poderosa e foi o que permitiu as outras aventuras das revistas.

No livro, você fala que Civita pregava uma divisão de poderes entre “Igreja” e “Estado” dentro da Abril. Como funcionava?

Era uma coisa muito clara. A“Igreja” era a parte editorial e o “Estado”, a área comercial. Ambos tinham que trabalhar evidentemente em harmonia, mas de forma independente; o leitor jamais poderia se confundir achando que algo que era anúncio fosse matéria jornalística. Isso ele aprendeu na revista Time nos anos 1950 e sempre pregou com ênfase como um principio do qual não se pode abrir mão: ter o foco no leitor e não dos anunciantes ou do governo e, assim, separar as duas áreas. A Abril levou isso a ferro e fogo enquanto ele esteve vivo. Hoje eu não sei como ele reagiria, pois as coisas estão um tanto misturadas. Ele saiu de cena antes disso.

No Brasil há grandes personagens e histórias sobre a imprensa, mas nem tantos livros a respeito. Teu livro tenta preencher esta lacuna?

De certa forma, sim. Não chegamos a ter uma tradição, mas há alguns bons livros sobre a imprensa. Se fosse destacar algum seria o livro “Chatô”, do Fernando Morais, talvez a grande biografia de um homem da imprensa [sobre o magnata da imprensa e político Assis Chateaubriand 1892-1968]. Há também a biografia do Nelson Rodrigues, do Ruy Castro, que era essencialmente um homem de imprensa e, através dele, o Ruy traçou um panorama muito importante sobre a imprensa carioca sobretudo. Depois que o Roberto Civita volta dos EUA em 1958, formado em administração e jornalismo na universidade da Pensilvânia, entra pra Editora Abril a convite do pai. Desde então, a vida dele foi a Editora Abril. Ao contar sua historia, eu conto a história da Editora Abril e atrás dela o que acontecia na imprensa neste período, sobretudo na área de revistas, que eram sua paixão.

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