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O Cantil, da companhia cearense Teatro Máquina: atores manipulam atores como se fossem bonecos inanimados | Jonathan Heckler/PMPA
O Cantil, da companhia cearense Teatro Máquina: atores manipulam atores como se fossem bonecos inanimados| Foto: Jonathan Heckler/PMPA
  • Carícias: dramaturgia do catalão Sergi Belbel em montagem irregular

Em um festival reconhecido por atrair encenadores da elite do teatro mundial, pelo qual passam, neste ano, espetáculos do americano Bob Wilson e do lituano Ei­­muntas Nekrosius, não falta espaço para representantes da cena teatral nordestina, pouco habituados a circular Brasil afora. Três peças do Nordeste comparecem ao 17.º Porto Alegre em Cena, realizado na capital gaúcha entre os dias 9 e 27 de setembro. Duas delas vêm de Recife, cidade expressiva na música e no cinema, mas sem igual ressonância nas artes cênicas. São o drama adulto Carícias e o infantil Babau, com bonecos (mamulengos). Mas é a terceira, O Cantil, que mais se destaca, chamando a atenção para o teatro que vem sendo feito no Ceará.

Para criar O Cantil, a companhia Teatro Máquina desenvolveu uma linguagem gestual peculiar. Inspirou-se em uma técnica de manipulação direta japonesa chamada bunraku, mas substituiu os bonecos por pessoas. Cobertos de tecido claro até os olhos (portanto sem enxergar), dois atores imitam as limitações de movimento dos bonecos inanimados, enquanto são controlados por manipuladores (outros atores, vestidos de preto), que direcionam seus movimentos, pegando-os pelos braços, nuca e cintura.

A ideia de atores manipulados surgiu como metáfora visual para sublinhar as relações de poder entre patrão e empregado, explorado e explorador, contidas na peça A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht – a partir da qual se criou o roteiro de movimentos do espetáculo, dispensando o texto.

Sem experiência nem em manipulação de bonecos, a companhia procurou a ajuda de seus conterrâneos do Circo Tupiniquim e ensaiou por nove meses, descobrindo no processo quais eram as articulações mais ex­­pres­­sivas. Buscou ainda referências no trabalho dos paulistas do grupo Sobrevento. E da francesa Ariane Mnouchkine, diretora do Théâtre du Soleil, que também pôs atores para serem manipulados (mas por fios e com outra proposta) no espetáculo Tambores sobre o Dique, de 2002.

Em cartaz desde 2008, O Cantil é a única montagem do grupo a recorrer à manipulação de atores, mas a decupagem de gestos e a pesquisa do movimento como forma de narrar uma história é comum a todo o repertório, co­­mo Repeter (2009) e o infantil João Botão (2010).

Além de breves períodos em cartaz em Fortaleza mesmo, a peça não teve muitas oportunidades de viajar. Mas conseguiu uma temporada paulista de dois meses, vencendo o edital de ocupação do Centro Cultural São Paulo, o que rendeu uma indicação ao prêmio Shell na categoria especial pelo trabalho original de manipulação – fato raro para o teatro cearense, segundo a diretora Fran Teixeira.

Em Fortaleza, a cena teatral ainda é dominada pelos shows de humor. Mas a diretora conta que, na última década, têm aparecido novos grupos que sustentam um teatro alternativo, mais experimental. Ela destaca o trabalho com mímica contemporânea do Mimos; a atualização da cultura da região do Cariri feita pela companhia Expressões Humanas, e a aproximação com o desenho de formas animadas do grupo Bagaceira, o mais reconhecido entre os da região. Em 2009, vieram ao Festival de Curitiba com o espetáculo Lesados.

Casal

Carícias, por sua vez, é peça de autoria de Sergi Belbel, um dos dramaturgos mais importantes do teatro catalão contemporâneo. Na primeira de um punhado de cenas fragmentadas, ve­­mos um casal desgastado a constatar que já não têm nada a dizer um ao outro, a não ser por agressões físicas.

O que está posto em dúvida nas situações é a possibilidade de entendimento entre duas pessoas, por mais íntimas que elas sejam, e a possibilidade real de afeto, abalada pela convivência. Na maneira pessimista como Bel­­bel conduz cenas e personagens, sobra pouca esperança. Sua qualidade maior está em escancarar relações daninhas, com a delicadeza de quem afunda o dedo na ferida.

A montagem recifense, dirigida por Leo Falcão, infelizmente não dá conta de afiar todas as pontas do texto. Sobretudo porque falta ao elenco qualidade técnica e um domínio maior dos efeitos pretendidos nos diálogos.

A repórter viajou a convite do 17º Porto Alegre em Cena.

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