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Arthur Miller foi pioneiro na ficção antissemita nos EUA | Divulgação
Arthur Miller foi pioneiro na ficção antissemita nos EUA| Foto: Divulgação

Romance

Foco

Arthur Miller. Tradução de José Rubens Siqueira. Companhia das Letras, 264 págs., R$ 39,50

O dramaturgo Arthur Miller (autor de A Morte de um Caixeiro Viajante) escreveu, em 1953, a peça As Bruxas de Salém, em que dramatizava um julgamento de mulheres acusadas de bruxaria numa pequena cidade de Massachussets no século 17. A peça ganhou repercussão pelo momento e pelo motivo que foi escrita: uma crítica à paranoica perseguição a comunistas liderada, na época, pelo senador estadunidense Joseph McCarthy, acusado de desrespeitar um sem número de direitos civis.

Oito anos antes, entretanto, o escritor lançou um romance que dialogava fortemente com a intolerância, o preconceito e a perseguição da história alegórica. Foco, de 1945, se passa em Nova York, quando a Europa se desmanchava com a Segunda Guerra Mundial. Enquanto os Estados Unidos marcam sua participação no sangrento combate, o executivo Lawrence Newman não vê com bons olhos a corrente migratória de judeus que se instalam pela cidade, escapando do nazismo alemão, mas também faz pouco caso do preconceito e da violência sofridos por esses imigrantes.

Tudo muda de figura quando ele percebe ter um problema de visão e é obrigado a usar óculos. O novo acessório, mais do que fazer enxergar o mundo melhor – e aqui a alegoria é clara – realça traços de sua fisionomia que o aproximam do que poderia ser considerada uma aparência judaica estereotipada. E, pouco a pouco, o executivo passa a sofrer discriminação em uma escala crescente de intensidade, até mesmo por parte de pessoas próximas, que já não sabem se Newman é ou não um sobrenome judeu.

Ao mesmo tempo em que não sabe como lidar com essa situação, por achar ridículo ter de se explicar diante de casos tácitos de ódio velado, teme o fim da boa convivência com seus vizinhos, membros da Frente Cristã, uma organização que pretende expulsar os judeus dos Estados Unidos por meio da violência. É quando conhece Gertrude Hart, uma mulher de personalidade forte e, assim como ele, frequentemente confundida com uma judia. A paixão dos dois parece comprovar aos olhos dos gentios sua ascendência indesejada, e a cobrança de Gertrude para que o namorado não seja passivo diante das ofensas coloca o pacífico Newman em uma situação delicada.

Embate silencioso

Uma cena emblemática da história se revela logo nas primeiras páginas. O protagonista sai para o trabalho e o narrador explicita como sua vida é o perfeito arquétipo do sonho americano: feliz, ele olha sua casa, ajeita seu paletó, tira um pequeno pedaço de celofane debaixo de seu sapato e leva à lixeira, pensa em como será o seu jantar daquele dia, enfim, envolve-se na bolha perfeita de sua egoísta vida suburbana, sem dedicar uma centelha sequer de seu pensamento a questões maiores que seu microcosmos. Newman tem, na vantagem de ser um branco, anglo-saxão e cristão, a liberdade para prescindir da política, de tensões sociais que só lhe são jogadas na cara quando passa a ser confundido com um judeu. E é apenas nesse ponto que se vê obrigado a tomar uma posição definitiva no embate silencioso que se trava em um país pretensamente cosmopolita – vale lembrar que Foco, adaptado para o cinema em 2001, com William H. Macy e Laura Dern no elenco, foi uma das primeiras obras a explanar o antissemitismo americano.

O caráter emergencial com que Miller escreveu a obra talvez justifique seu desenvolvimento um tanto pueril. Foco não é exatamente um grande livro, mas mantém em sua trama a atemporalidade que um clássico, na definição do italiano Italo Calvino, precisa ter: um livro que não disse em sua geração tudo o que havia para ser dito. GGG

Classificações: GGGGG Excelente. GGGG Muito bom. GGG Bom. GG Regular. G Fraco. 1/2 Intermediário. N/A Não avaliado.

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