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Nova Iorque - Na enorme graphic novel de 720 páginas de Dash Shaw, Umbigo Sem Fundo, três gerações da família Loony passam uma semana juntas na casa de praia lidando com o anúncio do divórcio, depois de 40 anos de casamento, do avós do clã, Maggie e David. Apesar de serem os catalisadores da história, os avós recebem pouco espaço comparados com seus rebentos. Esses incluem Dennis, o mais velho, que exige explicações sobre o divórcio; Claire, a do meio, mãe solteira que tem pouco contato com o pai de sua filha Jill, de 16 anos; e Peter, o caçula, a quem a maioria da família trata como um adendo (talvez como compensação, ele ganha um dos papéis mais ricos do livro).

Apesar de haver muito a desfrutar em Umbigo Sem Fundo – diálogos verossímeis, conexão emocional com os personagens, algumas maravilhas que florescem no desenho – é equivocado investigar muito profundamente esses elementos antes de observar outra característica: a nudez. A lombada do livro apresenta uma proeminente orientação "impróprio para crianças" e o desenho de seis jovens rostos riscados com X – bastante apropriado, porque algumas das ilustrações internas mereciam um triplo X de censura. As imagens vão do mundano (membros da família no chuveiro) ao sugestivo (um Dennis adolescente levando uns amassos das namoradas no sofá), ao positivamente, digamos, realístico (as cenas de experiências sexuais de Peter, só e acompanhado) que deixa pouco à imaginação.

Talvez o uso da nudez seja uma tendência crescente nas graphic novels. Em julho, aconteceu o lançamento do sofisticado Y: o Último Homem, escrito por Brian K. Vaughan e ilustrado por Pia Guerra, sobre Yorick, o único sobrevivente de uma praga que causa a morte de todos os outros homens. Há uma cena na qual Yorick, depois de procurar por muitos anos, reencontra sua namorada. Os dois se agarram, completamente nus, por várias páginas.

Embora Y tenha mostrado a nudez anteriormente, a cena do reencontro chamou inesperada atenção. Será que lençóis artisticamente arranjados parecem muito irreais? O mesmo aconteceu com Umbigo Sem Fundo, certas cenas – como aquela de Peter urinando – chama atenção demais sobre si e interrompe a história.

A maior parte das decisões criativas de Shaw, no entanto, simplesmente deixam o leitor maravilhado com seu trabalho. Um motivo recorrente, apresentado pelas palavras "Há muitos tipos de...", ilustra diferentes tipos de areia (dura, granulada, quebradiça), lágrimas (basal, reflexa, emocional) e água (sereno, chuva, escoada). É também uma elegante metáfora para os membros da família Loony, e a sequência de dez páginas detalhando suas características (brigão, insular, carente) fazem um lindo trabalho de revelação dos impulsos opostos que existem em suas relações. Há momentos de solidariedade e felicidade, é claro, mas as disfunções são mais interessantes.

Shaw, aos 25 anos, já é um dos queridinhos dos críticos. Sua graphic novel The Mother’s Mouth (A boca da mãe), sobre uma mulher que visita sua mãe doente, foi um dos indicados à categoria de reconhecimento especial do Prêmio Eisner 2007 que, para os quadrinhos, equivale ao Oscar. E Umbigo... já foi aclamado pela New York Magazine como "a graphic novel do ano". Como mais da metade do ano já se foi, é certamente um dos competidores.

A medida que os dias passam, Dennis parece estar à beira da loucura. Vai do questionamento aos pais sobre sua decisão de divórcio (Foi consensual? Quanto tempo vocês discutiram sobre isso?), a tentativa de barganha com eles (Só me diga que você ama o papai. Vou me acalmar, de verdade).

Durante uma corrida, bastante agitada emocionalmente, Dennis vislumbra a verdade dos fatos e toma o lado do pai. Diz a sua esposa, Aki: "A mamãe ama a gente. Ela aguentou tudo isso por nós. Mas ela também, tipo, nos odeia. Porque a gente dominou a vida dela por muito tempo, sabe?".

Quanto mais ele fala, mais Aki acha que ele está falando sobre o seu próprio, e problemático, relacionamento. Dennis continua: "Ela acha que o casamento é claustrofóbico, que casou muito cedo, que, de alguma forma, nunca foi livre. Ela não tem a mesma ideia de família." Infelizmente, ele está tão absorvido nos problemas dos pais que não vê a angústia estampada no rosto de Aki.

Nem tudo em Umbigo... é tão pessimista em relação aos relacionamentos. Peter se apaixona por Kat, uma orientadora de acampamento, que faz maravilhas por sua autoconfiança. Ela é também a chave para explicar porque, num elenco de personagens levemente esquisitos, mas ainda assim humanos, Peter é desenhado com uma cabeça de sapo. Depois de mais de 400 páginas, nós vemos sua verdadeira face, num momento especialmente vulnerável.

O ritmo e arranjo dos quadrinhos de Umbigo... é cheio de acertos e erros. Há uma sequência de 20 páginas, particularmente forte, na qual Dennis acorda e vê seu pai andando enquanto dorme. Quase toda a cena é ilustrada em painéis individuais que aumentam de tamanho e tensão. A sensação que uma crise se aproxima é confirmada quando David cai na praia. Por outro lado, há seis páginas de tomadas do chão, e quatro de Kat tirando a roupa que parecem muito indulgentes – como se Shaw deixasse a contagem de páginas ditar a estória, ou fosse muito adepto da noção de contar a história sem limitações.

O título do livro pode sugerir egocentrismo, mas é, na verdade, uma referência a uma carta de amor de David para Maggie, escrita num código simples, detalhando tudo que gosta nela (eu não me dei ao trabalho de decodificar a mensagem, mas um blogger prestativo o fez).

Decupagem em quadrinhos e graphic novels pode ser um instrumento útil. Em 2000, Brian Michael Bendis usou isso com grande efeito na abertura da arca de Ultimate Spider-Man, o qual reimaginou a escalada pela parede, feita em 11 páginas no original de 1962, em uma aventura de umas 180 páginas. Mas, quando exagerada, a decupagem pode parecer encheção de linguiça para eventuais coleções de histórias.

A sequência final em Umbigo... parece dilatada em parte, mas também oferece uma conclusão emocional poderosa. Os integrantes da família estão prontos para partir, e os desenhos demonstram sistematicamente seus novos estados mentais: Peter parece menos marginalizado; Dennis está visivelmente mais relaxado; Claire e Aki são amigas mais chegadas. A impressão de exagero vem nas 20 páginas de adeus individual, quando poderiam caber em três. No entanto, talvez, esse seja o panorama exigido para o golpe final: uma sequência dos avós dizendo adeus um para o outro. São dois painéis por página, até o final, que tem um quadrinho em cada página. Eles olham um para o outro e dizem "adeus". É uma sútil mas impactante transição – fisicamente os painéis estão a alguns centímetros de distância, mas o vazio é impactante.

Tradução de Márcia Saliba.

Serviço:Umbigo Sem Fundo, de Dash Shaw. Quadrinhos na Companhia, 720 págs., R$ 59.

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