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| Foto: Isadora Brant/Folhapress

O cientista social, pesquisador e escritor cubano Carlos Moore, cujo nome de batismo é Charles Moore Wedderburn, vem dedicando toda a sua vida profissional ao registro da história e da cultura negra ao redor do mundo e à luta contra o racismo.

Nascido em 1941, viveu em Cuba até os 15 anos. Em 1958, portanto pouco antes da revolução comunista em seu país, mudou-se para Nova York. Lá, aproximou-se da poeta Maya Angelou, falecida em 28 de maio último, que o influenciou a refletir sobre a justiça racial e o pensamento intelectual negro.

Moore retornou a Cuba para se juntar ao movimento revolucionário liderado por Fidel Castro, mas entrou em choque com o regime por julgar que a discriminação racial seguiu sendo prática corrente nos círculos mais próximos do poder em Havana. Sua militância pela igualdade o levou à prisão várias vezes e, em 1963, ele deixou definitivamente o país caribenho, desta vez rumo à França, onde atuou como jornalista na agência de notícias France Press e iniciou sua vida acadêmica, obtendo o título de doutor em Etnologia, em 1979, e em Ciências Humanas, em 1983, ambos pela Universidade de Paris-7.

Em 2000, mudou-se com a família para o Brasil, onde segue sua militância e dedica-se a escrever suas memórias. É autor, entre outras obras, dos livros Fela – Esta Puta Vida (Ed. Nandyala), biografia autorizada do cantor, saxofonista e ativista nigeriano Fela Kuti, e O Marxismo e a Questão Racial, publicada no Brasil pela mesma editora.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Moore fala sobre as manifestações de racismo no âmbito esportivo ao redor do mundo e sentencia: "Aqueles que assistem passivamente à recrudescência das agressões racistas, ou que não contribuem para o combate contra elas, se autossinalizam como os próprios vetores dos sentimentos, ideias e estruturas que incitam a expressão das agressões raciais".

Com o ingresso, no futebol europeu, de jogadores das mais diversas partes do mundo, as manifestações de racismo e xenofobia se tornaram recorrentes. De que forma o senhor interpreta essas demonstrações de intolerância racial e étnica?

Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, e até os anos 50, o racismo aberto e violento ficou deslegitimado; o Holocausto dos judeus criou um clima inóspito para sua manifestação pública. Ele não sumiu, como alguns pensaram, mas se encobertou. Ora, desde os anos 60, que viram o surgimento das lutas pela independência dos povos africanos e pelos direitos civis pelos afrodescendentes no mundo inteiro, o racismo aberto e violento começou a se manifestar de novo. E quando Barack Obama chegou à Presidência dos Estados Unidos, o racismo violento e aberto invadiu os espaços públicos de novo. Agora, estamos frente a uma situação análoga àquela que os judeus enfrentaram nos anos que precederam a tomada do poder pelos nazistas.

Qual seria a melhor resposta a esse tipo de ato?

A mobilização cidadã, por uma parte, e a aplicação draconiana das leis que punem o racismo como crime, são respostas que devem ser aplicadas juntas. Aqueles que assistem passivamente à recrudescência das agressões racistas, ou que não contribuem para o combate contra elas, se autossinalizam como os próprios vetores dos sentimentos, ideias e estruturas que incitam a expressão das agressões raciais.

Qual a sua opinião sobre a reação do jogador brasileiro Daniel Alves no episódio da banana jogada no campo?

O racismo é a forma mais violenta que existe de ódio entre humanos; ele persegue a eliminação física do outro. O racismo visa ao genocídio da população que tem como alvo. De modo que comer uma banana lançada por um racista é demonstrar uma grande confiança na humanidade daquele que a lançou. Eu não aconselharia nenhum jogador de futebol a imitar Daniel Alves; pode estar correndo risco de morrer.

A Fifa está realizando, antes de cada partida da Copa, manifestos de repúdio ao racismo. Como o senhor vê esse tipo de ação? O senhor acredita na sua efetividade ao longo do tempo?

Geralmente, esse tipo de "ação" encobre uma inação de fato. E, até pouco tempo atrás, a Fifa nem ligava para as manifestações, cada vez mais violentas, de racismo nos estádios. Ora, o racismo nos estádios reflete o racismo na sociedade como um todo; ele não pode nem deve ser dissociado dele. Impor sanções draconianas contra o crime do racismo, fora e dentro dos estádios, é o que há de ser feito. É isso que irá proteger a vida e a dignidade dos jogadores que são o alvo desse crime.

O "manifesto de repúdio" é um mero paliativo propagandístico.

O que o senhor pensa da "campanha" #somostodosmacacos, que se seguiu à reação de Daniel Alves? Não houve, em sua opinião, uma banalização da discussão sobre o racismo?

Dizer que "Somos todos macacos", para responder a uma agressão racista é, de certo, banalizar o racismo. É uma frase a mais que não vai ao fundo das coisas; muito pelo contrário, tenta-se, mediante a banalização, esvaziar o ato criminoso de sua essência criminosa. Assim, banalizar o racismo é ser conivente com ele. O racismo deve ser enfrentado com campanhas enérgicas apelando à aplicação das leis com toda a severidade possível contra o criminoso que comete esse crime, pois racismo é um crime de lesa-humanidade.

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