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"Esse período atrai os não-iniciados em  música erudita porque possui um ritmo, uma vivacidade. Pode-se, nesse sentido, comparar os concertos de Bach com o free jazz!" | Divulgação
"Esse período atrai os não-iniciados em música erudita porque possui um ritmo, uma vivacidade. Pode-se, nesse sentido, comparar os concertos de Bach com o free jazz!"| Foto: Divulgação

O carioca Roberto de Regina trocou a medicina pela música. É apaixonado pelo barroco, construiu o primeiro cravo brasileiro e gravou quase toda a obra de Bach. É também maestro e cofundador da Camerata Antiqua de Curitiba. Ele conversou por telefone com a reportagem da Gazeta do Povo e ressaltou o valor da "arquitetura musical" das composições barrocas.

Em que contexto musical o barroco surgiu e qual o grande diferencial que o movimento acrescentou à música àquela época?

Roberto de Regina – O barroco é um período maravilhoso não só na música como nas artes e em geral e na arquitetura. Mas sua música possui uma beleza avassaladora, uma complexidade individual. São como grandes edifícios musicais. O barroco é um período áureo da musica. Tem tantas características especiais que te falaria por horas. Resumindo: foi fantástico. Mas depois o barroco começou a enfraquecer um pouco. As polifonias se degastaram e os períodos clássicos e românticos chegaram logo depois. Mas até hoje acho que não existem obras que se comparem à uma Missa em Si Menor, de Bach, por exemplo. Àquela época tínhamos pianistas com um repertório virtuosístico e com uma produção caudalosa. Vivaldi, por exemplo, tem mais de 400 concertos; a obra de Bach é imensa sem ter repetições.

Quais são as principais características musicais do barroco? Há relação com as que são encontradas no barroco de outras áreas (arquitetura, por exemplo)?

O período é a glorificação da beleza da arquitetura musical, do intrincamento. Um ambiente barroco é muito ornamentado, é muito rico, a gente fica pasmo de ver. O período também se caracteriza por uma liberdade moderada, sem traição de estilo. O cravista, por exemplo, pode ornamentar mais ou menos uma obra com improvisos, mantendo sempre uma ideia fundamental. Outra coisa interessante é que esse período atrai os não-iniciados em música erudita porque possui um ritmo, uma vivacidade. Pode-se, nesse sentido, comparar os concertos de Bach com o free jazz. Vivaldi também é jovem. Sua música é dinâmica, rica e prende o ouvinte. O barroco é uma porta de entrada para a música clássica.

Qual a importância hoje desse gênero de música erudita e como ele influenciou os movimentos posteriores?

Até hoje os músicos reverenciam Bach e o barroco. Alguns o acham o pai da música. Uma vez ouvi um amigo dando um conselho a um músico jovem, iniciante. Ele dizia: "Toque Bach e mais Bach". Ele e todo o período são uma base de ensinamentos. É obrigatório se conhecer e a influência é gigantesca.

Sobre Händel e Purcell...

O Händel era um barroco que glorificava a dramaturgia. Ele era muito teatral, pensava em indicações cênicas em seus oratórios. Mas também era mais humano, pois em seus temas tratava da religião, mas colocava o homem em destaque.

Purcell foi um grande musico. Escrevia para orquestras de câmara, para a corte inglesa e para a igreja. Suas formas musicais tinham características arquitetônicas e era muito melódico. Suas árias têm uma beleza incrível.

Houve influência também na música popular (rock ou MPB, por exemplo)?

Não sei. Só sei que o bom músico popular gosta, ouve e conhece música clássica e barroca. O Tom Jobim adorava Bach e o tocava muito. Isso só enriquece o painel interior do musico, que passa a fazer música popular de boa qualidade.

Não houve compositores barrocos brasileiros, mas de que maneira o gênero chegou ao país nos séculos posteriores?

Quando o barroco chegou aqui, ele já era outra coisa. Os músicos da corte portuguesa no Brasil estavam imersos em outro período musical. O barroco que chegou aqui não foi o barroco puro. Outra coisa: como não havia possibilidade de se registrar a música naquela época, a música atual era a que estava sendo executada e criada. O passado musical não era conhecido no Brasil.

Só a partir do século 20 a musicologia começou a descobrir e a desvendar os tesouros de outras épocas. E tivemos em 1950 a explosão disso, com várias redescobertas da música antiga europeia. Aqui nós fomos na onda e criamos o primeiro conjunto de música antiga do Brasil. Felizmente, hoje há CDs e DVDs diversos com muita música barroca. Então ela não morreu. Ela caminha paralelamente com outras correntes.

Como o barroco é tratado em Curitiba? Há público?

Uma das coisas mais empolgantes foi ver o público que assistiu a Missa em Si Menor (de Bach) no Teatro Guaíra. Acho que foi em 2001. E não era um público dito erudito, era o povo. O teatro estava lotado, houve até tumulto. Foram duas horas de execução e o público ficou até o final para aplaudir em pé. Parecia show de rock. Não foi um concerto, foi um acontecimento social.

E, para o público, o barroco é especial porque ele é muito vivo, brilhante, não tem flutuação de movimento como outras composições eruditas, é mais parecido com a música popular nesse sentido: começa e acaba da mesma forma, tem o mesmo ritmo até o fim. O barroco consegue levar o público às alturas porque a emoção é muito forte. Essa música dá ênfase aos afetos, à alegria, à tristeza e às emoções.

Pretende retornar à Curitiba para novas apresentações?

Pretendo lançar um DVD esse ano. É algo para festejar o jubileu de Scarlatti [Alessandro Scarlatti, compositor barroco italiano]. Sua música é trepidante.

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