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“The Beatles: Todas as Músicas, Todas as Letras, Todas as Histórias”: espécie de biografia de cada letra escrita pelos Beatles | Ilustrações: Osvalter Urbinati
“The Beatles: Todas as Músicas, Todas as Letras, Todas as Histórias”: espécie de biografia de cada letra escrita pelos Beatles| Foto: Ilustrações: Osvalter Urbinati

O jornalista inglês Steve Turner diz que levou a sua vida inteira para escrever “The Beatles: Todas as Músicas, Todas as Letras, Todas as Histórias”, Editora Sextante, que acaba de ganhar uma nova edição no Brasil. O livro, como o nome indica, é uma espécie de biografia de cada letra escrita pelos Beatles.

Trata-se de um trabalho minucioso de pesquisa, que, segundo Turner, teve início em 1963, ano em que ele passou a colecionar recortes de jornais e revistas sobre os Beatles. “Quando comecei a escrever já tinha um monte de material”, contou Turner em entrevista à Gazeta do Povo. “Mas foi The Beatles, a biografia autorizada escrita por Hunter Davies em 1968, que me chamou a atenção para o processo de composição deles.”

O escritor fez um minucioso trabalho de detetive ao investigar se os personagens presentes em cada canção dos Beatles eram baseados em pessoas reais ou não. Nos casos afirmativos, Turner foi atrás dessas pessoas para contar a história por trás da música. É assim que, por exemplo, ele chegou a Lucy O’Donnell, que fez o primário com Julian Lennon, filho de John. Foi um desenho de Julian retratando a coleguinha em um “céu de diamantes” que levou Lennon a escrever Lucy In the Sky With Diamonds.

Mas a pessoa mais difícil de encontrar, segundo Turner, foi Richard A. Cooke III, que inspirou The Continuous History of Bungalow Bill, canção presente no Álbum Branco. Ele descobriu que Cooke e a mãe, assim como os Beatles, foram hóspedes do retiro espiritual do Maharishi Mahesh Yogi na Índia, em 1968. Os dois foram severamente repreendidos por saírem para caçar tigres — na canção, Lennon se refere a ele como “o filhinho da mamãe louco por armas”. Para confirmar a história, Turner precisou rastrear a mãe até Beverly Hills, na Califórnia, e o filho no Havaí.

Outras origens de difícil acesso foram as de Lady Madonna e de Happiness Is Warm Gun. No caso da primeira, Turner levou tempo para encontrar a fonte de inspiração de McCartney: um artigo da revista “National Geographic” de 1965 que trazia a foto de uma camponesa de origem polinésio-malaio com uma criança.

Já para Happiness is a Warm Gun, ele precisou seguir as pistas até chegar a uma antiga publicação especializada em armas de fogo. “O título da música [“A felicidade é uma arma recém-disparada”, em uma tradução livre] é o mesmo de uma matéria escrita por um atirador que estava celebrando a experiência de ensinar ao seu filho as delícias de atirar.” A canção foi escrita por John Lennon após a leitura do texto.

Como não poderia deixar de ser em um livro como esse, os holofotes se dirigem a Lennon e McCartney, apesar de George Harrison também ter contribuído com algumas das letras mais conhecidas dos Beatles, como Something e Here Comes The Sun. “Definitivamente, ele foi ofuscado por John e Paul”, comenta Turner. “Eu ouvi todas as sessões de gravações que se tornariam [o álbum] ‘Let it Be’, e dá para ouvir a frustração de George ao não conseguir que os outros ouvissem direito suas canções.”

Porém, ele acredita que o potencial de Harrison só se desenvolveu perto do fim da carreira do Beatles, e que parte disso teve a ver com o fato de que ele era o mais jovem integrante do quarteto. “As letras dele tendiam a ser muito básicas, e em canções como Taxman ele recebeu bastante ajuda de John”, conta Turner.

The Beatles: Todas as Músicas, Todas as Letras, Todas as Histórias

Editora Sextante

352 páginas

R$ 129

O autor também diz que Harrison tinha o hábito de se influenciar por canções dos outros. “Something é baseada em um trecho de uma música de James Taylor e My Sweet Lord (da carreira solo do beatle), como sabemos, era um plágio de He’s So Fine, das Chiffons”, diz ele.

Há ainda no livro bastante informação sobre o contexto musical que cercava o início da carreira dos Beatles. São citados outros artistas que costumavam excursionar com o quarteto nos seus primeiros anos de carreira — gente como Gerry and the Pacemakers, Billy J. Kramer e Cilla Black. Em comum com os Beatles, eles tinham o mesmo empresário: o lendário Brian Epstein, responsável por moldar a imagem da banda em seus primeiros anos, com os terninhos e cortes de cabelos característicos.

Para Turner, apesar de competentes, esses artistas não eram propriamente inovadores. “Eles não escreviam o próprio material, por exemplo”, diz ele. “Nenhum deles fez a transição do pop para o rock ou do show business para arte. Já os Beatles estavam em outro patamar.”

Apesar de comentar brevemente várias das histórias mais conhecidas sobre os Beatles, o foco do livro está mesmo na parte “oculta” da carreira do fab four e Turner tenta entender a carreira do quarteto pelas circunstâncias em que suas músicas foram escritas.

A Sextante trouxe uma edição caprichada, em capa dura, formato grande e repleta de fotos, incluindo várias que embasam suas descobertas. Organizado em ordem cronológica, o volume traz também a transcrição de todas as letras dos Beatles de forma minuciosa, desfazendo confusões históricas e trazendo, inclusive, os suspiros, gemidos e até as contagens de um a quatro presentes no início de algumas faixas.

As canções e suas histórias

“The Beatles: Todas as Músicas, Todas as Letras, Todas as Histórias” revela várias curiosidades sobre as origens das canções da banda. Confira alguma delas.

Ovos mexidos

Paul McCartney costumava inventar letras bobas ou sem sentido para sua melodias antes de chegar às versões definitivas. Para um de seus maiores clássicos, Yesterday, ele escreveu uma letra inteira chamada Scrambled Eggs (“Ovos Mexidos”). A versão inicial escrita por Paul continha trechos como “Junte-se a mim / Tem ovos o bastante para nós dois / Tem presunto, queijo, bacon também / Então pegue dois e junte-se a mim”. A música foi feita para o álbum Help! — mesmo nome do filme que os Beatles rodavam em 1965, sob a direção de Richard Lester. “Estávamos filmando Help! no estúdio havia quatro semanas”, conta Lester. “Em algum momento desse período, havia um piano em um dos galpões e ele ficava tocando essa Scrambled Eggs o tempo todo. Chegou a um ponto em que eu falei: ‘Se você tocar essa maldita canção de novo, eu mando tirar esse piano daqui. Termine ou desista!’”

Jingle lisérgico

Em 1969, Timothy Leary, conhecido como o “papa do LSD”, anunciou sua candidatura ao governo da Califórnia contra Ronald Reagan. Leary era um grande fã dos Beatles e, na mesma época, visitou John e Yoko Ono em Montreal, no Canadá, onde a dupla recebia jornalistas na própria cama enquanto advogavam pela causa da paz mundial. Lennon perguntou a Leary se podia fazer algo por sua campanha. Este não titubeou e pediu para o beatle compor um jingle: nascia ali Come Together. Entretanto, Leary não teve tempo de usar a música. No final do ano, sua campanha foi interrompida quando ele foi preso por posse de maconha. Assim, Come Together foi parar no álbum Abbey Road. Foi na prisão que Leary escutou a versão finalizada de sua canção. “Fiquei incomodado que Lennon tenha passado por cima de mim desse modo”, disse ele. “Quando fiz uma leve reclamação, ele respondeu, com típicos charme e esperteza, que ele era como um alfaiate, e eu, um cliente que tinha encomendado um terno e não tinha ido buscar. Então ele vendeu para outra pessoa.”

“Empréstimos”

Há uma linha bastante tênue entre roubo musical e homenagem, e os Beatles cruzaram essa linha algumas vezes. O livro revela algumas semelhanças notáveis entre letras do quarteto e de outros artistas. Em Something, por exemplo, George Harrison usa a frase “Something in the way she moves”, nome de uma canção de James Taylor lançada um ano antes. Em Come Together, o verso “Here come old flat top” foi retirado de uma canção de Chuck Berry, You Can Catch Me. Enquanto Taylor se sentiu lisonjeado, Berry não quis nem saber e colocou os advogados em cima dos Beatles. Outro caso de “empréstimo” revelado por Turner diz respeito a Ob-la-di Ob-la-da. A primeira vez que Paul ouviu a expressão foi por meio do percussionista nigeriano Jimmy Scott — ela seria uma tradução fonética de algo que o pai de Scott costumava dizer. O músico processou os Beatles, pedindo uma porcentagem dos lucros da canção. “Eu disse: ‘Poxa, Jimmy. É só uma expressão. Se você tivesse feito a canção, teria sua porcentagem”, disse Paul. Eventualmente eles entraram em acordo quando McCartney pagou a pensão que Scott devia à ex-mulher.

Ela entrou pela janela do banheiro

Morador do bairro St. John’s Wood, um dos mais chiques de Londres, Paul McCartney viu suas fãs passarem dos limites. Uma delas, Diane Ashley, conta que em um dia em que o beatle não estava em casa ela e alguma amigas resolveram “fazer uma visita”. Diane entrou pela janela do banheiro da casa de Paul e, de dentro, abriu a porta para as outras. Elas reviraram seus pertences e levaram consigo algumas peças de roupas e outros objetos. Eram as mesmas garotas que costumavam lotar a calçada em frente à casa dele, então Paul já tinha uma ideia de quem se tratava. Ele contatou uma dessas fãs e pediu ajuda para recuperar suas coisas. Descobriu então que boa parte já tinha ido para os Estados Unidos. O episódio rendeu a McCartney a letra de She Came Through The Bathroom Window. Diane, quando soube da música, não acreditou, “porque ele tinha ficado muito irritado com nossa invasão”. Mas logo depois resumiu: “Acho que qualquer coisa pode acabar inspirando uma canção, não é?”

Enfim, Ringo!

Ringo Starr não é tão citado quanto os demais Beatles no livro de Turner. Também, pudera: em toda a trajetória da banda, o baterista contribuiu com apenas duas letras: Don’t Pass Me By e Octopus’s Garden. Até então, Ringo só havia colaborado com alguns títulos de músicas (são deles as ideias que batizaram A Hard Day’s Night e Tomorrow Never Knows). Segundo Turner, ele tentava emplacar uma música há tempos. Ringo falou de Don’t Pass Me By pela primeira vez em um programa de rádio na Nova Zelândia em 1964, quando os Beatles faziam uma turnê pela Ásia e a Oceania. Na entrevista, ele incita os outros integrantes a cantar a música. “Toda vez produzimos um disco eu tento empurrar essa canção”, disse o baterista. Era verdade. Segundo Paul McCartney, eles sempre tentavam encaixar a música em algum álbum, mas Ringo nunca a terminava. Demorou cinco anos para que Don’t Pass Me By finalmente encontrasse seu lugar: ela foi lançada no Álbum Branco, de 1969, o primeiro (e único) LP duplo dos Beatles.

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