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Página do manuscrito Voynich: especialista em decifrar códigos da Segunda Guerra Mundial dedicou 30 anos de sua vida para desvendá-lo. Não deu em nada | Biblioteca Beinecke/Yale
Página do manuscrito Voynich: especialista em decifrar códigos da Segunda Guerra Mundial dedicou 30 anos de sua vida para desvendá-lo. Não deu em nada| Foto: Biblioteca Beinecke/Yale

Dentro das 240 páginas do manuscrito estão esboços vibrantes, incluindo mais de uma centena de espécies desconhecidas de plantas, cartas celestes misteriosas e desenhos de mulheres nuas. As mulheres do livro antigo são estranhas, evocando um H. R. Giger cru, exceto pelo fato de que as imagens antecedem as pinturas do surrealista suíço em séculos.

Nas palavras da Biblioteca Beinecke, de Yale, que raramente exibe o manuscrito dentro de um cofre em sua coleção, as mulheres têm “abdomes inchados” e estão “imersas ou caminhando em fluídos e estranhamente interagindo com tubos e cápsulas interconectadas”.

Ainda mais estranho, os redemoinhos de textos que enchem as páginas do livro – conhecido como manuscrito Voynich – são tão inescrutáveis quanto os rastros deixados por uma lesma de jardim. A Universidade de Yale o chama de um texto científico ou mágico, de por volta de 1401 a 1599 (apesar de o intervalo ser acompanhado de um ponto de interrogação), e acredita que o texto é uma linguagem cifrada baseada em letras romanas.

Não nos culpe se ficar louco

Aqueles familiarizados com o manuscrito dizem que ele deveria vir com um alerta. “O manuscrito Voynich tem levado algumas das pessoas mais inteligentes para dentro de tocas de coelho por séculos”, o curador da Biblioteca Folger Shakespeare Bill Sherman disse ao Washington Post em 2014. Ele estava prestes a abrir uma nova exibição que trazia o livro: “acho que precisamos de um termo de responsabilidade que você precisa assinar antes de olhar o manuscrito dizendo: ‘não nos culpe se você ficar louco’.”

“Minha teoria favorita é a que fala que [o livro] é um diário ilustrado de um adolescente extraterrestre que o esqueceu na Terra antes de partir”

Raymond Clementscurador da Biblioteca Beinecke, de Yale

“Minha teoria favorita é a que fala que [o livro] é um diário ilustrado de um adolescente extraterrestre que o esqueceu na Terra antes de partir”, disse em tom de piada o curador da Biblioteca Beinecke, Raymond Clements, à BBC.

Se manuscritos que vêm com alertas de insanidade atrevidos são sua xícara de chá, os poucos como você estão com sorte. Uma pequena editora espanhola obteve os direitos para, basicamente, clonar o documento, incluindo os buracos no pergaminho e rasgos nas páginas. (Se você prefere os seus tomos ilegíveis digitalizados, Yale disponibilizou páginas do livro na internet.) Segurar o manuscrito, a editora argumenta, provoca um sentimento que imagens na internet não conseguem reproduzir.

30 anos para nada

“Tocar o Voynich é uma experiência”, disse Juan Jose Garcia, diretor da editora Siloe, em uma entrevista recente com a Agência France-Presse. “É um livro que tem tamanha áurea de mistério que quando você o vê pela primeira vez (...) te enche de uma emoção que é bem difícil de descrever.”

8.000 dólares

A editora Siloe fará 898 réplicas do manuscrito a um custo de oito mil dólares por volume. Cerca de 300 cópias já foram pré-encomendadas.

O manuscrito leva o nome de Wilfrid Voynich, um negociante polonês que comprou o livro em 1912. Sua propriedade, de acordo com Yale, pode ser rastreada até muito mais longe: no século XVI, o imperador Rodolfo II da Alemanha o comprou por cerca de 600 ducados de outro ao que tudo indica de John Dee, um astrólogo inglês. Passou das mãos do imperador para seu médico, Jacobus Horcicky de Tepenecz, antes de acabar nas mãos do estudioso jesuíta Athanasius Kircher, um especialista em decifrar hieróglifos egípcios. Voynich comprou o livro de jesuítas em Roma; sua viúva o vendeu para H. P. Kraus, que o doou para Yale.

“Acho que precisamos de um termo de responsabilidade que você precisa assinar antes de olhar o manuscrito dizendo: ‘não nos culpe se você ficar louco’.”

Bill Sherman curador da Biblioteca Folger Shakespeare

De maneira não surpreendente, para um livro escrito em uma linguagem que nunca foi decifrada – mesmo William F. Friedman, cujas habilidades em decifrar códigos durante as guerras mundiais se tornaram material para lendas, tentou por 30 anos e falhou – alguns especialistas descartaram o grimório como uma falsificação. Datação por carbono indica que as páginas são datadas do começo do século XV. O estilo dos desenhos também reflete os sinais dos tempos, quando a baixa Idade Média se tornou a Renascença.

A tinta contém cores que “são consistentes com a paleta da Renascença”, Greg Hodgins da Universidade do Arizona, o físico responsável pela datação por carbono, disse em 2011.

Baboseiras sem nexo

Estudo indica que o manuscrito segue padrões estruturais de linguagem Biblioteca Beinecke/Yale

Dependendo de para quem você perguntar, alguns especialistas estão convencidos de que as páginas contêm linguagem, não apenas baboseiras sem nexo com 500 anos. Um estudo publicado em 2013 na revista científica PLOS One indica que o manuscrito segue padrões estruturais de linguagem – baseado em teorias linguísticas que eram desconhecidas nos anos 1500, o que torna uma falsificação sem nexo improvável. Um ano depois, um linguista da Universidade de Bedfordshire, na Inglaterra, disse que traduziu dez palavras do texto, entre elas os nomes para coentro, heléboro e outras plantas.

Quanto aos clones da Siloe, a editora diz que as cópias permitirão que o Voynich seja vivenciado por uma audiência maior. Alguns clones acabarão em bibliotecas e coleções de museus. “Nós próprios usaremos o fac-símile para mostrar o manuscrito fora da biblioteca”, afirmou Clemens à AFP, “para estudantes e outros que possam estar interessados.” Só tente não ficar louco.

Tradução: Pedro de Castro
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