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“Quando uma empresa local consegue ao menos os recursos iniciais de um projeto em seu estado, isso garante que a produção do filme vai acontecer ali.”
Cláudia da Natividade, produtora | Priscila Forone/Gazeta do Povo
“Quando uma empresa local consegue ao menos os recursos iniciais de um projeto em seu estado, isso garante que a produção do filme vai acontecer ali.” Cláudia da Natividade, produtora| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Empresariado desperdiça milhões em marketing gratuito

Que empresário em sã consciência não gostaria de apoiar o próximo projeto de um cineasta paranaese cujo primeiro longa-metragem, Estômago, foi o filme mais premiado do Brasil em 2008 em festivais nacionais e internacionais e foi vendido para salas de cinema de mais de 20 países?

Acreditem se quiser, mas 2 Sequestros, terceiro longa de Mar­­cos Jorge, ainda não conseguiu patrocínio. "Os empresários lo­­cais não realizam nenhum apoio econômico à produção de longa-metragem no estado, mas isso não significa que não coloquem dinheiro de renúncia fiscal em produções culturais em absoluto. Muitas vezes eles colocam, mas em projetos de fora que acabam não gerando qualquer renda local", diz a produtora do filme, Cláudia da Na­­ti­vidade.

Para o produtor cultural Ri­­cardo Trento, a falta de interesse em investir em projetos culturais como esse faz com que os empresários paranaenses desperdicem uma chance milionária de marketing gratuito. Sim, gratuito, afinal a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura permite que as empresas direcionem a produções culturais 4% do valor que devem pagar como imposto de renda.

E dinheiro para investir em cultura é o que não falta. Em 2009, voltaram para a União R$ 96 milhões que poderiam ter sido revertidos em projetos de música, teatro, dança, cinema, literatura, entre outras manifestações artísticas. "A Receita Federal arrecadou pouco mais de R$ 2,8 bilhões no Paraná com pessoas jurídicas. Des­­se montante, quase R$ 115 milhões poderiam ter sido aplicados em cultura. No entanto, apenas 16% foram investidos no se­­tor, ou seja, R$ 19,2 milhões", diz o produtor.

Ricardo Trento explica que há um completo desconhecimento das empresas sobre como investir em projetos culturais que têm origem nos bancos escolares. "Os profissionais dos departamentos de marketing saem da universidade sem saber sequer o que é a Lei Rouanet e como é possível utilizá-la em benefício da empresa", diz.

Ele aponta um estudo da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) de 2000 que aponta que, a cada 1% que se investe em qualidade de vida, há um retorno de produtividade de R$ 1.560,00. "O empresário que apoia espetáculos e dá ingressos para o funcionário assistir oferece crescimento intelectual, criticidade, e isso aumenta a produção e diminui os custos", diz.

  • Paulo Munhoz: apoio precisa ser mais ousado para gerar visibilidade

À procura de recursos para produzir 2 Sequestros, terceiro longa-metragem do cineasta curitibano Marcos Jorge, consagrado pelo premiado Estômago, até agora a produtora Cláudia da Natividade só encontrou portas fechadas. A dificuldade enfrentada é tanta que ela e o diretor chegam a pensar na possibilidade de se mudar para o Rio de Janeiro. Cláudia espera que isso não aconteça. "Eu nasci aqui, minha família é daqui. Quero poder ficar, mas está muito difícil", diz. É lamentável que, após produzir dois longa-metragens tão bem-sucedidos, Estômago e Corpos Celestes, este codirigido por Fer­­nando Severo e Marcos Jorge, Cláudia não consiga obter no Paraná nem os recursos iniciais para filmar 2 Sequestros, produção que será ambientada no Rio de Janeiro e em Curitiba protagonizada por Rodrigo Santoro. "Quando uma empresa local consegue ao menos os recursos iniciais de um projeto em seu estado, isso garante que a produção do filme vai acontecer ali. Isso significa que a produtora poderá agregar para o projeto outros recursos federais e até internacionais que serão gastos localmente", explica a produtora.

Quando produziu Estômago, Cláudia, casada com Marcos Jorge, não obteve nenhum apoio local, seja das administrações públicas, seja do empresariado. O filme foi feito em coprodução com a Itália e com recursos provenientes do Prêmio de Produção de Filmes de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura – MINC. Mesmo assim, teve como principais locações espaços de Curitiba, entre eles, o presídio do Ahu.

Ela cita os inúmeros benefícios que a produção de um longa-metragem traz para o estado. "Empregos serão gerados, a mão-de-obra local especializada pode se fixar; outros setores da atividade audiovisual, como a publicidade, vão aumentar. Impostos serão recolhidos, uma grande cadeia de fornecedores será paga, o turismo local será beneficiado e a projeção da imagem do estado será reforçada nacional e internacionalmente."

Para fazer Brichos, animação que recentemente fez 130 mil espectadores em São Paulo (além dos 80 mil que já havia acumulado no circuito comercial e em festivais), o curitibano Paulo Munhoz contou apenas com recursos de fora. "É um dinheiro que trago para cá, que se transforma em uma obra que dará visibilidade ao Estado", diz. Na continuação de Brichos, A Floresta é Nossa, em fase de produção, ele poderá, enfim, unir verbas do Sesi e do Senai locais às de apoiadores externos.

Prêmio Estadual

Ao mesmo tempo em que produzia Estômago, Cláudia filmava Corpos Celestes, desta vez com apoio estadual – o filme obteve R$ 1 mi­­lhão no primeiro Prêmio Estadual de Cinema e Vídeo Digital do Governo do Paraná, que sem a frequência anual a que se propôs premia a cada edição um longa-metragem e três telefilmes (de R$ 180 mil cada).

Paulo Munhoz diz que o único mecanismo de apoio do governo do Paraná é uma grande conquista para o audiovisual local. "O problema é que ele é ainda muito tímido. Temos artistas talentosos, então, com mais ou­­sadia, teríamos uma visibilidade gigantesca", diz.

Além de sua periodicidade irregular, o prêmio estadual traz algumas limitações aos cineastas. "O tempo de entrega da produção é de apenas um ano, o que significa que dificilmente o produtor poderá trazer mais recursos nacionais para o filme. Além disso, muitos aspectos importantes, como o desenvolvimento de roteiros, de projetos e distribuição de filmes, não estão previstos, o que faz com que não exista um desenho orgânico de produção audiovisual no estado", diz Cláudia.

O Prêmio Estadual de Cinema é insuficiente para dar conta da demanda de projetos audiovisuais que, nos últimos anos, começa a aumentar. A prefeitura de Curi­­tiba prevê o edital Filme Digital –Ficção, Documentário e Ani­­mação, de R$ 80 mil que, devido ao valor reduzido, acaba se destinando à produção de curtas-me­­tragens. Já o empresariado se mostra desinteressado em apoiar projetos audiovisuais.

Sem distribuição

A falta de uma política pública séria e regular para o audiovisual inviabiliza tanto a produção como a distribuição dos filmes. Em um debate sobre Corpos Celestes, após sua exibição na 13.ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o crítico de cinema do jornal O Globo, Rodrigo Fonseca, citou Belowars, outra animação de Paulo Munhoz, como "um filme extremamente competente, mas muito pouco visto".

A animação foi premiada em festivais no Mato Grosso e em Maringá e foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema da China, mas ainda não foi exibido em Curitiba, local de sua criação. Munhoz ainda não tem data para lançamento. "Não achei distribuidora, quero muito exibir no circuito comercial de cinema, mas se não conseguir, terei que lançar diretamente em DVD", diz ele sobre este filme baseado na obra Guerra Dentro da Gente, de Paulo Le­­minski, feito com R$ 180 mil do edital de telefilmes do Governo do Paraná somado a recursos do próprio diretor.

Cláudia da Natividade cita al­­guns estados que, ao contrário do Paraná, parecem já ter entendido a importância de se investir em cultura. "Só a cidade de São Paulo injeta através dos programas de fomento locais e de distribuição do cinema paulista mais de R$ 12 milhões por ano em cinema, fora os demais recursos de outras cidades do estado. Em Pernambuco, são outros R$ 6 milhões anuais; R$ 4,5 milhões, em Minas Gerais; R$ 3 milhões anuais no Ceará, e assim por diante. O Rio de Janeiro revitalizou a Rio Filmes e pretende investir até R$ 79 milhões em produção audiovisual no estado nos próximos quatro anos", diz.

Enquanto isso, no Paraná, ainda se trata a produção de cinema como caso isolado, desvinculado de tudo. "Enquanto isso não mudar não teremos possibilidades maiores de projeção da pequena, mas absolutamente relevante, produção local", diz Cláudia. "Espero que o próximo governo tenha mais visão", diz Paulo Munhoz.

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