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 | Foto:  Isabella Lanave; arte: Robson Vilalba
| Foto: Foto: Isabella Lanave; arte: Robson Vilalba

Placas pelo caminho:

• Recomendamos não dançar maxixe neste recinto

• Ponto de abdução aqui. A cada 30 min

Estampas nas costas de camisetas:

• Ilha do mel, Heaven and Hell, Cães Motoclube, Estação Primeira de Blueseira, Legalê, Norman Bates e os Corações Alados, Cavalo Morto, Black Sabbath US Tour 1978

Insanidades verbais:

- Viva o própolis com gengibre!

- Você que ainda está na barraca, não durma neste sol. Faz mal para a cuca

- Ser feliz é improvisar o presente

- Quer pintar a cara?

Tô a fim de pintar geral

Lapso de felicidade instantânea:

- Olha que delícia! Uooooooooooooooooooooooow – pai e filha descendo uma ladeira, de bicicleta

Conversa paralela capturada perto das 4 da tarde:

- Ele é um físico que dá aulas sobre formação de estrelas e planetas, essas coisas aí do universo

Manifestações constantes:

• Grito vindo de quem pagou R$ 15 e desceu os 502 metros de cabo de aço da tirolesa, seja na versão "sentadinho" ou na posição "superman", enlaçado pela barriga e com os punhos cerrados – a altura é imprecisa, mas certamente o ponto de partida é acima da copa das árvores mais altas:

- Aeeeeeeeeeeeahhhaoooooooowoohaaaa!!!

Aviso em um quadro negro:

• Hoje: o universo tem começo e fim? De Aristóteles à expansão cósmica

Algumas oficinas:

• Escrevendo Curtas

• Compostagem

• Faça a Sua Própria Cerveja

• Tye Die

• Tintas Naturais

• Desenho de Nu Artístico

Encontros ocasionais:

• No banheiro feminino, moças tomam banho e cantam "Panis et Circences", dos Mutantes, acompanhando a música da boa e velha Rádio Kombi

• Com Plá, andando para cima e para baixo como se sentisse em casa

Entrevista

"Não temos medo de continuar crescendo"

Confira entrevista com Alexandre Osiecki, um dos organizadores do Psicodália

  • Banda curitibana Trombone de Frutas mostrou seu
  • De repente, alguém sai dançando. E mais alguém. E mais alguém. No Psicodália é assim
  • Tomar sol ao redor do lago também vale. Uns com menos roupa que outros, e ninguém liga
  • Piquenique, cadeira de praia e sombra fresca. Está tudo incluso
  • Crianças, filhos de antigos frequentadores, são figurinhas carimbadas no Psicodália
  • Loucura pouca é bobagem
  • Cirandas de improviso podem te pegar desprevenido. E aí, a melhor dica é entrar na roda
  • Space rock bizarro: Daevid Allen, líder da banda australiana Gong, tem 76 anos. E ainda dá um caldo
  • Ah, o amor
  • Às vezes é cada um na sua
  • Oficinas diversas distraem os mais novos
  • Emocionante: Moraes Moreira tocou, na íntegra, a obra-prima Acabou Chorare, disco dos Novos Baianos de 1972
  • Histórico: Di Melo, a lenda, ressurgiu no palco principal do Psicodália

Após armar uma barraca manca e murcha que não servirá para muita coisa – particularidade de amador – a sensação que se tem ao olhar ao redor é de que estamos no último refúgio de seres humanos em apuros, feito aquelas montanhas quase inacessíveis para onde conseguem ir alguns sortudos em filmes sobre catástrofes e o fim do mundo. Tendas de tamanhos variados brotam da grama verde como cogumelos no verão. Lonas pretas, amarelas e azuis criam pontos de confluência nos recém-nascidos acampamentos, que agora se apinham em pequenas e coloridas vilas. Há bosta de vaca no chão, seca e sem cheiro. Há espinhos nos pés, caídos das grimpas que forram o gramado. Surgem boatos sobre um misterioso lago onde pessoas nadam sem roupa. E não demora muito até que alguns se perguntem, com olhar assustado, momentos depois de chegar à Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho (SC): "Quando foi mesmo que nos afastamos tanto da natureza?"

SLIDESHOW: Confira imagens do festival

Às vezes a verdade é maior do que o clichê que a sustenta. O Festival Psicodália – "Cultura, Paz e Contato com a Natureza" – é um mundo paralelo. E bem divertido. "Braços para cima. Braços para baixo. Para cima, para baixo. Muito bem. Quando nos encontrarmos de novo, você já sabe o que fazer", disse com voz de clown um sujeito alto e magro autointitulado Conde Baltazar, vocalista da banda curitibana Trombone de Frutas. Ele emprestou seus serviços e tiradas para anunciar os shows do evento multicultural, que deu um chega pra lá no carnaval e aconteceu, pela 17.ª vez, entre os dias 28 e 5 de março do ano de 2014 – "doismilecatarse!"

A Fazenda Evaristo tem o tamanho de 30 campos de futebol. Por entre trilhas, cinco áreas de camping e 310 banheiros, dois palcos foram montados para receber 40 shows. Tom Zé deu as caras, de rabo e tudo. Moraes Moreira, que tocou na íntegra o indiscutível Acabou Chorare, disse que o Psicodália 2014 foi responsável pela melhor passagem de som de sua carreira – isso enquanto seu filho Davi mostrava os pelos dos braços, arrepiados. Bandas curitibanas como Klezmorin e Confraria da Costa fizeram o mundo rodar mais rápido. Metá Metá mostrou-se avassalador ao dar ainda mais peso ao seu rock de terreiro. Di Melo, "o imorrível", ressurgiu das cinzas do soul. A banda australiana Gong fez o céu se abrir. Yamandu Costa corou ao dizer que "nunca se sentiu tão careta na vida." E a Sopro Cósmico provou que é possível misturar Beethoven com Pink Floyd numa relax, numa tranquila, numa boa.

A música é o fio condutor da viagem de seis dias, mesmo fora dos palcos. Ao circular pela fazenda, há boas chances de ouvir piás e gurias fazendo um som acima da média – seja em uma roda de choro na grama ou em uma virtuosíssima jam session infinita nos arredores de uma Kombi, psicodélica até na maçaneta da porta. Há cinema no Psicodália – oito filmes foram exibidos, entre eles o hors concours local Raul Seixas, o Início, o Fim e o Meio. E peças de teatro – dez ganharam os palcos. Oficinas? Quarenta. Mais: exposições, tirolesa de 500 metros de comprimento e waterball, cuja tradução prática é "poder andar sobre a água." É tudo, o tempo todo.

Besta é tu

Já disseram e repetiram que, se não formos de esquerda quando temos menos de 30 anos, não temos coração. E que, se não declinarmos à direita depois dos 30, é cabeça que nos falta. Se você for ao Psicodália quando tem 30, então, prepare-se para um tilt. Porque o festival é um negócio, obviamente. O ingresso para os seis dias custa, em média, R$ 300 – a título de comparação, a entrada para os dois dias do Lollapalooza Brasil deste ano sai por R$ 540. É preciso vender o seu produto, portanto. Mas o que se consome – e principalmente a forma como se consome o que se vende, do sanduíche de soja à Coca-Cola – faz do Psicodália um dos festivais mais interessantes do país, uma real tendência para grandes eventos de música, que lucram com patrocínios em banners imensos, mas deixam de investir em atendimento qualificado ao público, óleo, enfim, que faz girar toda essa engrenagem.

"Na Austrália há muitos festivais assim, é bom ver que eles estão chegando ao Brasil", disse o músico australiano Jarrah Thompson, enquanto babava vendo a performance já caduca, mas não menos emocionante, do "ídolo" Tom Zé. O festival cresce ano a ano. Nesta edição, 4.117 ingressos foram vendidos. O público total, incluindo aí artistas, funcionários e colaboradores, foi de 4.823 pessoas, de São Paulo, Rio, Pará, Santa Catarina – calcule quantas Kombis dá para encher.

E me conte: nos grandes festivais que rodam o Brasil, quais as chances de algum atendente se desculpar e dizer, ao recarregar o seu copo reciclável com chope gelado, "desculpa aí, brother, eu enchi demais"? A essência do Psicodália é tão perceptível quanto um abraço: todos se preocupam com todos. Há um respeito nato, quase contagioso. Um comportamento que deveria ser regra, mas é exceção. Surpreendemo-nos com isso porque somos desgraçadamente acostumados a sermos mal tratados em grandes eventos. Lá na fazenda, "boa refeição", ao invés de "próximo", é o que ouvimos após receber nas mãos um delicioso macarrão à bolonhesa – a preço justíssimo. A fila anda no Psicodália. Mas anda diferente, com mais sorrisos e menos cara feia, que para os psicodélicos é mesmo sinal de fome.

Tinindo, trincando

Os novos hippies têm carros bons, mas não o tratam como adereço social. Os novos hippies têm celulares ultramodernos. A diferença é que não os utilizam para filmar ou fotografar shows o tempo todo, verdadeira praga do mundo digital. No Psicodália não existe mediação forçada. Vive-se o máximo do presente, sem receios ou preocupações futuras: do banheiro seco e ecológico – neste sistema, nosso cocô fica armazenado por nove meses até virar adubo – à meditação em grupo; do pôr-do-sol no lago ao jogo de peteca matutino; da conversa inteligente com um israelense às bananas fresquinhas vendidas na praça de alimentação 24 horas. Aproveita-se até a iminência da chegada da chuva, que com ironia se transforma em "No Rain", do Blind Melon, pelas ondas da boa e velha Rádio Kombi, som onipresente.

Claro, é preciso certa disposição e ao menos um pouco de desprendimento para enfrentar alguns perrengues que, oras bolas, são temporários e até fazem bem vez em quando. Banho gelado, por exemplo. No mais, não muito: houve dois acidentes na edição 2014 – uma pessoa caiu e quebrou o fêmur. Outra teve um choque anafilático por causa da picada de "algum inseto não identificado". Não foram registradas ocorrências policiais. E dizem até que o prefeito de Rio Negrinho resolveu dar uma passada por lá.

É de se imaginar o que o distinto sujeito deve ter pensado ao ouvir o grito de "Waaaaaaaagner!". Verdadeiro mistério do planeta, essa é uma lenda que se retroalimenta a cada ano e dá ares mágicos ao Psicodália. Há berros curtos e diretos. E aqueles que vêm das entranhas de quem realmente parece acreditar estar chamando algum amigo de carne e osso. Os gritos surgem aleatoriamente e se espalham como ecos infinitos. De certa maneira, é um mantra intermitente, que acaba por unir desconhecidos que jamais irão se ver. É o prolongamento de um mito. E também um sopro de vida extra num festival que pulsa forte por si só.

Psicodália

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