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“Era para ser mais, era 
para ser outro, era para 
ser romance, não é”, 
escreve Schwarcz, nos “Agradecimentos” de Linguagem de Sinais |
“Era para ser mais, era para ser outro, era para ser romance, não é”, escreve Schwarcz, nos “Agradecimentos” de Linguagem de Sinais| Foto:

Linguagem de Sinais é um livro que pode ser lido como uma coletânea de contos, mas também é possível pensar a obra como uma narrativa contínua, na qual os 11 textos dialogam uns com os outros.

Há alguns elementos que dão unidade ao conjunto, a começar por uma personagem feminina, que empresta o nome ao primeiro texto do livro. E é justamente em "Antônia" que Luiz Schwarcz, proprietário da editora Companhia das Letras, consegue o melhor resultado desse projeto literário.

O narrador do conto praticamente não faz nada, do ponto de vista de ação, durante as 21 páginas. Ele embarca em um avião no Brasil e atravessa o Oceano Atlântico para, antes da última página, pisar no solo de Portugal. Revelar o início e fim de "Antônia" não significa ser um estraga-prazeres. Afinal, o que tem relevância, de fato, é o meio, o durante.

O que acontece durante o voo desperta no narrador alguma lembrança. E o que motiva esse mergulho no passado é a mulher com quem ele viveu, a Antônia do título do conto, que habita e não abandona o seu imaginário.

"Ao lembrar que tinha visto a aeromoça agitada, primeiro atinei na semelhança entre ela e Antônia, e só depois liguei seus passos rápidos com a fala do comandante", diz a voz narrativa.

Enquanto a viagem no mundo físico acontece, dentro da cabeça do narrador muito se passa, continuamente. Ele recorda-se da mu­­lher com quem nunca foi feliz e, ao mesmo tempo, fala de si mesmo. Conta que desde muito assobiou e procura entender esse comportamento: "Assobiar foi o que sempre fiz em momentos de tensão, ao receber uma notícia ruim ou em situações de constrangimento".

O avião segue e ele, o sujeito que narra, enoleva-se em questões aparentemente desconexas, mas que ao final farão todo o sentido. De Beethoven a Napoleão, elabora uma tese, segundo a qual, decifra toda e qualquer pessoa que acumula objetos: "É fácil identificar um colecionador. Sua personalidade maníaca salta à vista, é avesso à média, ao meio-termo. Se parece pacato, é porque dissimula bem; no espírito de um colecionador há sempre tormenta e tédio. No meu caso, só o tédio me aproxima desse tipo extravagante. O colecionador quer se superar todo o tempo, sem saber por quê".

Seguir pelo conto "Antônia" aponta para uma questão, muito cara ao mundo contemporâneo: mais do que contar uma história, um texto de ficção pode, aparentemente, não falar de "nada" e, no fundo, tratar de "tudo". Mais do que isso: uma experiência literária, nesse caso, um conto, é feito, antes de qualquer outro "item", de linguagem.

A voz que Schwarcz, hoje aos 54 anos, criou para o narrador de "Antônia" apresenta uma visão de mundo que contempla inúmeros sinais e legados da cultura ocidental, e ao mesmo tempo procura recriar aquilo que se passa dentro da cabeça de um sujeito que, para quem olha sem ver, está apenas sentado em uma cadeira (quando, na realidade, muito acontece com o personagem internamente).

Tal figura feminina reaparece em outros contos, "O Cobertor Xadrez" e "Volta ao Lar". E esse reaparecimento apenas confirma o desconforto do narrador, praticamente o mesmo em todos os textos. "Meu mundo é em outro lugar", diz o narrador, no primeiro conto, o que dá pistas a respeito de como ele é um estrangeiro, esteja onde estiver. GGG

Serviço:

Linguagem de Sinais. Luiz Schwarcz. Companhia das Letras. 104 págs. R$ 33.

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