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  • Serviço: Histórias de Matches e de Intrigas da Sociedade. André Mendes Capraro, Annablume, 486 págs., R$ 69. História.

A relação entre futebol brasileiro e literatura foi o tema que instigou a tese de doutorado de André Mendes Capraro, professor adjunto dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em História e Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Apaixonado por futebol, formado em Educação Física e em Psicologia, o estudo de Capraro virou o livro Histórias de Matches e de Intrigas da Sociedade. Capraro passou parte deste ano pesquisando o universo literário e futebolístico na Itália. Em entrevista à Gazeta do Povo, o professor falou sobre o trabalho dele:

Apesar de ser o esporte mais popular do Brasil, o futebol dificilmente é protagonista na literatura nacional. O que seu estudo mostrou sobre isso?

À exceção de algumas obras de Mario Filho e Thomaz Mazzoni, não existem grandes romances que tenham o futebol como assunto principal. Também são poucos os textos em outros gêneros literários considerados clássicos, como o conto ou a poesia. A maioria da produção literária consiste em biografias [dos principais jogadores, treinadores e dirigentes] e crônicas. Optei pelo segundo tipo.

Qual é a razão da grande literatura de ficção não ser tão pródiga em livros "boleiros" do que se poderia supor?

São vários motivos, mas listarei os três que considero os principais. O mais óbvio de todos: o brasileiro lê pouco, logo, os textos curtos, dinâmicos, descompromissados – como a crônica, por exemplo – são os preferidos. Depois, o preconceito histórico com o futebol, exatamente por ser um fenômeno popular. Ao final, a nossa literatura quase sempre apresentou nuances conservadoras, ou seja, evitava [e ainda evita] inovar, escapando das temáticas clássicas da cultura erudita.

O que tem de diferente no caso italiano que o senhor também estudou?

Pude constatar que o gênero literário com maior volume de obras é o romance (exatamente a carência brasileira). Inclusive, existe uma editora especializada em futebol, a Limina. Tive a oportunidade de ler e analisar obras belíssimas, como o romance Fútbol Bailado, de Alberto Garlini, e Ode per Mané, de Darwin Pastorin – um apaixonado pelo futebol brasileiro.

Houve dois momentos históricos de distanciamento da intelligentsia do futebol: nos primeiro anos do profissionalismo e durante a ditadura militar. Por quê?

Sim, pois foram dois momentos críticos do futebol brasileiro. No primeiro, este esporte assume que se popularizou e que seus praticantes não são mais os jovens da elite que atraiam as atenções do colunismo social e da literatura de moda. Coelho Netto, por exemplo, o escritor mais vendido no início do século 20, era sócio do Fluminense e seus filhos jogavam na equipe principal. Imagine se ele iria escrever duas décadas mais tarde enaltecendo os valores corporais e éticos de pessoas pobres que jogavam por dinheiro. No segundo caso, a intelectualidade engajada opôs-se ao regime militar e o futebol passou a ser considerado uma prática de entretenimento com a finalidade de alienar. O futebol, parafraseando a afirmativa de Marx em relação à Igreja, era o nosso "ópio do povo". Aqueles intelectuais que permaneceram escrevendo e valorizando o futebol – como Nelson Rodrigues, por exemplo – foram taxados de reacionários.

O futebol é uma boa metáfora para entender o processo civilizatório brasileiro no século 20 e 21?

Sobretudo na transição do século 19 para o 20 o futebol chega ao Brasil como parte de um esforço civilizatório. A ideia, em síntese, era incorporar à cultura brasileira elementos típicos da cultura europeia. Dentre usos, costumes e práticas elitistas – como tomar chá das cinco, frequentar saraus e bailes, vestir-se seguindo a moda parisiense, entre outros – constava também o esporte.

Nos anos 1970, Aldir Blanc dizia que "o problema é que intelectual brasileiro nunca bateu um escanteio". Com a sua experiência de acadêmico, essa "verdade" ainda é atual?

É sim. E acrescentaria que no meio acadêmico também são poucos os que sabem bater um escanteio. Se a literatura é escassa, as pesquisas também estão em estágio embrionário se comparadas as de outros países no qual o futebol também é popular.

Pela importância cultural do futebol haveria quase uma obrigação de se escrever sobre ele. Quanto uma coisa tem a ver com a outra?

Hoje vários intelectuais e figuras públicas gostam de usar do futebol para acentuar que conhecem bem o Brasil e o brasileiro. Só que não é coisa exclusiva de literatos. Políticos adoram usar o futebol como metáfora. Basta lembrar do ex-presidente Lula. É apenas uma impressão minha, mas o brasileiro que realmente gosta e está envolvido de alguma forma com o futebol sente quando esse apreço intelectual pelo esporte é genuíno ou não. É quase consenso entre os meus alunos que Jô Soares, por exemplo, embora faça comentários com certa regularidade sobre o futebol, entenda pouco do assunto.

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