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“Meu juízo? [O Leão de Sete Cabeças] tem a dramaticidade de Deus e o Diabo, com a banda sonora de Barravento, com o radicalismo de Terra em Transe, com a poesia do Dragão e um algo mais que só a África lhe dá.” - Glauber Rocha, diretor de O Leão de Sete Cabeças em texto sobre o filme. | Fotos: Divulgação
“Meu juízo? [O Leão de Sete Cabeças] tem a dramaticidade de Deus e o Diabo, com a banda sonora de Barravento, com o radicalismo de Terra em Transe, com a poesia do Dragão e um algo mais que só a África lhe dá.” - Glauber Rocha, diretor de O Leão de Sete Cabeças em texto sobre o filme.| Foto: Fotos: Divulgação
  • Giulio Brogi vive um guerrilheiro hispano-americano: personagem profético

Após a exibição do filme O Leão de Sete Cabeças (1971), de Glauber Rocha (1939-1981), no 43.º Festival de Brasília, em sessão especial no dia 29 de novembro, o público deixou a sala com a piada na ponta da língua: "Já ganhou!", referindo-se à mostra competitiva que se realizava paralelamente.

Compreensível, afinal, era a primeira vez que se assistia na grande tela à versão restaurada desse clássico brasileiro, realizado em coprodução com a Itália e filmado na África, nunca antes exibido no circuito – os negativos originais foram descobertos há pouco tempo, em estado precário de conservação, no arquivo da Cineteca Nazionale, em Roma.

Coube à associação Tempo Glauber, que cuida do acervo do diretor, e à filha do cineasta, Paloma Rocha, iniciar em 2009 o projeto de repatriação e restauração do filme, com apoio do governo da Bahia, da Associação Baiana de Cinema e Vídeo (ABCV), da Cinemateca Brasileira e da própria Cineteca Nazionale.

O trabalho faz parte da segunda fase do projeto Coleção Glauber Rocha, que já restaurou Barravento, Terra em Transe, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro e A Idade da Terra, já lançados em DVD, e agora inicia a recuperação dos filmes produzidos pelo cineasta no exílio – segue-se ao longa recém-restaurado, Cabeças Cortadas, Claro, Câncer e História do Brasil.

O filme surgiu como uma peça escrita por Glauber para presentear o diretor José Celso Martinez Corrêa. O projeto, inacabado, foi engavetado e recuperado anos depois, em 1969, quando o baiano, no exílio em Paris, decidiu "botar para quebrar" na Europa.

Cansado do autoisolamento dos vários cinemas do terceiro mundo, incapazes de enfrentar o monopólio do mercado de exibição de seus países pelo cinema euro-americano, o diretor decidiu romper as fronteiras e fazer um filme na África que, ao mesmo tempo, dialogasse com o Brasil e a América Latina. "O título – O Leão de Sete Cabeças – veio simplesmente disto: um mesmo cinema e várias manifestações, sete, setenta ou setecentas."

Seu desejo era revelar, da forma mais simples possível, as contradições do colonialismo europeu e as tentativas do povo africano de se libertar. Para isso, criou uma galeria de personagens-tipo, que servem aos seus propósitos de denunciar a situação de exploração na África, vividos por um elenco in­­ternacional com falas em várias línguas – um dos artifícios do filme para tratar, a um só golpe, dos dilemas do Terceiro Mundo.

De um lado, estão os pilares do imperialismo: Marlene, a bela loura que representa o império norte-americano (Rada Rassimov); seu colaborador, o louro americano agente da CIA (Gabrielle Tinti); o padre, símbolo do cristianismo colonizador (Jean-Pierre Léaud, ator-fetiche de François Truffaut); a elite local, representada por Xobu (André Segolo), um fantoche coroado presidente; e os agentes estrangeiros (entre eles, o comerciante português interpretado comicamente por Hugo Carvana). Do outro, os revolucionários locais como os negros oprimidos e perdidos na magia; Zumbi, chefe revolucionário negro (Baiack), que deseja convencer a povo a trocar a magia pelas armas; e Pablo, o guerrilheiro hispano-americano (Giulio Brogi).

À época, parte da crítica e do público reclamaram que o excesso de alegorias dificultava a comunicação. Glauber, é claro, não concordou. "Os personagens estão mui­­to claros e reduzidos a sua condição; não é que sejam símbolos abstratos, estão reduzidos a uma condição política específica de forma bastante didática", disse o diretor em entrevista ao cineasta cubano Daniel Diaz Torres.

"Por mais estereotipados que sejam, são personagens supercomplexos. Qualquer coisa que Glauber fazia, aliás, tinha uma dimensão muito maior do que se percebe à primeira vista", diz José Gatti, professor de Cinema da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade Tuiuti do Paraná.

Gatti considera O Leão de Sete Cabeças – formado por 70 planos-se­­quên­­cia – um filme profético, na forma e no conteúdo. "Ele queria que o espectador manipulasse a ordem dos planos como quisesse, algo que conseguimos fazer hoje com os meios digitais, mas que não era nem imaginado na época, a não ser na literatura, em livros co­­mo O Jogo da Amarelinha, de Júlio Cortázar", diz.

Há profetismo, inclusive, na criação de alguns personagens como Pablo, símbolo da guerrilha hispano-americana. "Só sete anos depois Cuba mandaria tropas para Angola para defender o regime de esquerda e combater a invasão do país pela África do Sul", afirma Gatti.

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