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“Cena” do jogo “Shadow of Mordor” (que parece filme). | Divulgação
“Cena” do jogo “Shadow of Mordor” (que parece filme).| Foto: Divulgação

Quando esboçava o jogo de computador “Starship Titanic”, nos anos 90, Douglas Adams afirmou que evitava a ideia de fazer arte. O autor da série “Guia do Mochileiro das Galáxias” justificou, no “Salmão da Dúvida”, que “a ideia de arte acaba com a criatividade. Esse foi um dos motivos que me levaram a fazer um jogo: já que ninguém vai levar a sério mesmo, você pode colocar um monte de coisas legais nele e sair impune”.

Hoje em dia, o único motivo para negar o videogame enquanto produção artística é implicância. As razões visuais, narrativas, técnicas e, em suma, estéticas trouxeram à mídia uma aceitação social que Adams dificilmente encontrou, quase vinte anos atrás. Por si só, essa interação gerada entre um game e o jogador trouxe novidades mais que suficientes para acrescentar uma dimensão à nossa forma de lidar com narrativas.

É mais fácil escrever cinquenta livros do que criar um jogo digital, mesmo que simples, curto e com gráficos bastante antigos. E se você pensar bem, aliás, todas as artes já foram contestadas como arte: em “Fedro”, Platão despreza a palavra escrita. É um processo de formação.

Dito isso, pode-se acrescentar uma ideia pitoresca. Pois Espen Aarseth, teórico norueguês, surgiu com o termo literatura ergódica no livro “Cybertext” (1997) para se referir a textos – não necessariamente verbais –, em que o leitor influencia diretamente seu andamento. Por exemplo, livros (geralmente infantis) nos quais você escolhe o final, ou mesmo obras em que você seleciona o percurso inteiro, vide o “Jogo de Amarelinha”, de Julio Cortázar.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2012, Aarseth resumiu a ideia de literatura ergódica como aquela “em que, por meio de alguma manipulação, a experiência com um determinado texto muda de leitor para leitor”. A parte verdadeiramente interessante, no caso, é que o conceito foi diretamente relacionado ao videogame. Aarseth não tarda para definir os games como literatura ergódica.

Nessa onda, o videogame não estaria inventando processo algum. Ele apenas transfere nosso impulsos narrativos para o cibertexto, que reconhece “as implicações do meio como parte integrante do intercâmbio literário”. Na mesma entrevista, Aarseth deixou claro como “não somente games são arte mas também uma forma de metamídia, que pode assimilar e emular todas as artes prévias, como literatura, poesia, música, cinema etc”.

Vivemos num momento artístico confuso. Games parecem filmes, que parecem televisão, que parecem romances serializados, que parecem quadrinhos, que parecem roteiros. Ainda que não seja sempre difícil separar uma mídia de outra, as barreiras entre elas estão borradas.

A ideia de literatura ergódica favorece o posicionamento de artes diferentes num mesmo degrau, e, mais do que isso, ajuda a enfrentar o universo metamidíaco, como toda a internet, a partir de uma perspectiva mais aberta: estamos diante de textos, formados por palavras ou não. Como sempre, os bons perdurarão, enquanto os descartáveis serão esquecidos.

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