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Cena do filme Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, já em cartaz em São Paulo, mas sem estreia prevista em Curitiba | Divulgação
Cena do filme Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, já em cartaz em São Paulo, mas sem estreia prevista em Curitiba| Foto: Divulgação

Mundo estranho

Faz sentido a afeição do diretor Tim Burton pelo trabalho de Apichatpong Weerasethakul.

Fantasma

Em Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, existem vários momentos estranhos. Só na primeira meia hora de filme, durante um jantar, surge à mesa o fantasma da mulher de Boonmee, morta 19 anos antes.

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Pouco depois, é um sobrinho que aparece, com o corpo todo coberto de pelos, como se tivesse se transformado num macaco. "Você deixou o cabelo crescer", diz a mãe do rapaz (o filme é também uma comédia, o que torna tudo mais estranho ainda).

  • O tailandês Apichatpong Weerasethakul é chamado de

"Enigmático", "misterioso" e "imprevisível" aparecem em textos que tentam se aproximar do cinema de Apichatpong Weerasethakul. O diretor tailandês tem recebido atenção desde que se tornou o primeiro de seu país a vencer a Palma de Ouro, no Festival de Cannes de 2010, com Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas. O longa-metragem está em cartaz em São Paulo e, de acordo com a distribuidora Filmes da Mostra, há planos de exibir o filme em Curitiba, porém, nenhuma data definida.

Tim Burton, o diretor de Edward Mãos de Tesoura (1990) e presidente do júri que premiou Tio Boonmee..., o descreveu como "um sonho estranho e belo". A filmografia de Weerasethakul é tão incomum quanto o seu nome (os norte-americanos o rebatizaram de "Joe", tamanha a dificuldade de pronúncia) e subverte todos os padrões de narrativa cinematográfica transformados em regra pelo cinema ocidental em geral e por Hollywood em especial.

Baseado no livro de um monge budista que dizia ter memórias de existências anteriores, Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas não é o tipo de filme que você tem de entender. Ele não é complicado na forma nem no conteúdo, mas pode ser difícil na medida em que pede do público algo que filmes não costumam pedir: contemplação. É preciso "sentir" o filme de um modo semelhante ao que se usa para apreender uma pintura, ou uma instalação. É menos uma questão de "raciocínio" e mais de "sensibilidade".

Tenha em mente que Tio Boonmee... surgiu de um projeto de videoinstalações chamado Primitive, inspirado nos conflitos que marcam a história política do país. Resumindo de maneira grosseira, há um embate entre as regiões rurais do país, que enfrentam inúmeros problemas, e a elite situada em Bangcoc, onde vive inclusive a realeza do país.

Weerasethakul nasceu e viveu na parte rural, no nordeste da Tailândia, e costuma ser destemido para criticar a política do seu país, chamando atenção para o quanto ele é violento e administrado por "uma máfia". Não por acaso, existem trabalhos dele que foram censurados e o cineasta é alvo de comentários violentos por se posicionar contra os poderosos. Na internet, em meio aos ataques anônimos típicos da rede, há até quem peça a cabeça do diretor.

No filme, Tio Boonmee sofre de problemas renais e precisa fazer diálise. Ele é viúvo e convive com a cunhada (irmã da esposa morta) e com um rapaz (enfermeiro?), que o ajuda no tratamento. Boonmee está se preparando para morrer e começa a receber a visita de fantasmas e, como o título diz, a lembrar vidas passadas.

A cena de abertura mostra um boi amarrado a uma árvore, tentando escapar. É notável como a selva – de onde saem os fantasmas – é uma presença forte no filme, quase um personagem. A riqueza de sons que preenchem essa sequência é mais marcante do que uma trilha sonora (e não há música nenhuma no filme).

Falando sobre o projeto Primitive para a imprensa norte-americana, Weerasethakul explicou que Tio Boonmee é sobre "ir às raízes das coisas, do que nós temos nos nossos corpos, da energia primitiva". O filme é sobre memória e também sobre a morte. Para realizá-lo, o diretor voltou ao lugar onde nasceu, Khon Kaen, e visitou também as cidades natais de seus atores (aliás, todos amadores).

Usando como cenários a selva e o campo, o filme teve um orçamento inferior a US$ 700 mil, um valor insignificante para qualquer padrão – na indústria norte-americana, é dinheiro do chiclete. Antes de levar a Palma de Ouro, o cineasta já havia sido premiado em outras duas ocasiões: Sud Sanaeha ganhou a mostra Un Certain Regard em 2002 e Sud Pralad levou o Grande Prêmio do Júri em 2005.

Numa das reportagens feitas pelo jornal The New York Times, outro cineasta de nome trava-língua, o tailandês Anocha Suwichakornpong, disse que não se importa com os temas abordados nos filmes de Weerasethakul, pois eles são sempre "uma experiência sensorial". É uma boa definição.

Experimente abrir este jornal na página seis, a do roteiro de cinema. Vê os filmes que estão em cartaz hoje? Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas é muito, muito diferente de todos eles. Quando (e se) você for ver qualquer trabalho de Weerasethakul, a questão não será decidir se ele é bom ou ruim. Fará mais sentido perguntar: o que você sentiu diante do que viu?

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