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Uso de microfones no cenário de “Mommy”. | Marcelo Almeida/Divulgação
Uso de microfones no cenário de “Mommy”.| Foto: Marcelo Almeida/Divulgação

Depois de um ano de El Niño para as artes cênicas, Curitiba viu duas boas estreias quase na virada do calendário. Quem perdeu pode ficar de olho no possível retorno, durante o Festival de Teatro, de “Mommy” e “Artista de Fuga”.

Em ambas atuou a veterana atriz Rosana Stavis, e nas duas se usou com criatividade recursos já tradicionais do contemporâneo.

“Mommy” encerrou uma mostra organizada pela Companhia de Bife Seco para estimular a escrita para teatro na cidade, após outras três criações inéditas apresentadas no Novelas Curitibanas. Em cena, além de Rosana, estavam Nathan Milléo Gualda e Guenia Lemos, que também assina o interessante cenário.

Um ofuscante branco é criado por azulejos que correm do piso ao teto, numa limitada porção do palco, com fundo infinito (veja a foto acima). De acordo com a luz utilizada, o rejunte pode parecer opaco ou translúcido, vazando luzes por trás da estrutura: surpresa.

O clima é de aconchego: as entradas e saídas dos atores promovem certa interação com a plateia de formas inusitadas, como quando objetos são entregues a um ou outro espectador sem que se explique para quê. Cenas depois, os pobres são repreendidos por terem passado aquilo adiante. Boa sacada do diretor Eduardo Ramos.

Três microfones de pedestal para três atores, no que poderia ser mais uma vez em que o teatro contemporâneo utiliza microfones em momentos de suspensão da realidade. Aqui, porém, esses momentos são entremeados por cenas de caraoquê que se encaixam na narrativa – e ainda dão a rara oportunidade de ouvir Rosana Stavis, excelente cantora, desafinar de propósito.

Na trama criada por Mariana Mello, delineia-se uma história – o que não é regra no teatro contemporâneo. Uma mãe (Rosana) e um filho (Nathan) parecem viver um para o outro, numa relação simbiótica dessas que todo mundo conhece, de amor e ódio. Os buracos negros do passado e as tensões do presente ficam explícitos quando eles se veem objeto de interesse de uma visitante, que vai com frequência à casa e tenta absorver aquela nova vida, sem contudo revelar muito de si (Guenia Lemos faz essa personagem num louvável trabalho de construção, distante do registro diferente, quase canastrão, que desenvolve em espetáculos da companhia Vigor Mortis).

O fato de haver uma vida por trás dos personagens da qual ganhamos vislumbres acaba, porém, terminando em corte seco, como se não houvesse tempo para desenvolver a história até onde ela poderia ir. Não que um final aberto seja indesejado. Nesse caso, talvez coubesse fechá-lo um pouco mais.

Hollywood em Curitiba

Em oposição ao branco escancarado de “Mommy”, “Artista de Fuga” nos coloca num encantador teatrinho com cortina e tudo, embalados por excelente trilha sonora. E é ao som de “Space Oddity” de David Bowie que os panos se abrem (sensação rara hoje em dia!), dando oportunidade mais uma vez de ouvirmos a voz de Rosana, que todo diretor deveria usar.

A peça “Artista de Fuga” e seu cenário claustrofobicamente belo.Marcelo Almeida

O cenário confina os também três atores entre paredes negras onde se lê muita coisa escrita e desenhada a giz. Quando se está dando conta de absorver aquele todo, uma surpresa fosforescente arranca um “oh!” da plateia. Grande cenografia que o diretor Marcos Damaceno divide com André Coelho, e que surpreenderá novamente o espectador antes do final. Os recursos finamente trabalhados chegam a causar êxtase na plateia, que se sente em Hollywood. Ou, como a dramaturgia (de Damaceno a partir de texto de Guto Gevaerd) da peça sugere, num espetáculo de ilusionismo comandado pelo mágico Houdini.

O lendário artista é o alter-ego do protagonista, um escritor em crise. Uma figura recorrente nas artes, mas que, surpreendentemente, interessa sempre ao espectador – que não vai ao teatro para ouvir sobre um “espectador em crise”.

A encenação, num recurso que aos poucos se consagra dentro do contemporâneo, divide em três as vozes dentro da cabeça desse personagem. O trabalho de fragmentação funciona bem pela ótima atuação de Rosana, Paulo Alves e Eliane Campelli, dona da risada mais enfática dos últimos tempos.

Curiosamente, assim como em “Mommy”, é na delineação de uma história pregressa e do conflito atual que parece faltar algo, novamente com um final em que o personagem abre, de forma lírica, um pouco mais de seu interior, mas como que exigindo um segundo capítulo para a continuação.

Esteticamente, foram dois trabalhos que elevaram a moral do teatro curitibano neste fim de ano.

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