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Frank Langella, Keri Russell e Matthew Rhys: o lado sombrio da União Soviética | Ali Goldstein/FX
Frank Langella, Keri Russell e Matthew Rhys: o lado sombrio da União Soviética| Foto: Ali Goldstein/FX

A última temporada de “The Americans”, o drama do FX sobre um casal de agentes da KGB vivendo infiltrado nos arredores de Washington, D.C., terminou com um fusível aceso. Paige Jennings (Holly Taylor), que tinha recentemente descoberto que seus pais são espiões soviéticos, procurou seu pastor, Tim (Kelly AuCoin), para, debaixo de lágrimas, confessar seu segredo devastador. Conforme a quarta temporada da série começou, a possibilidade de serem descobertos pairava sobre Philip (Matthew Rhys) e Elizabeth Jennings (Keri Russell).

E então algo estranho aconteceu. A bomba não explodiu. Quando Tim desapareceu durante uma missão na Eitópia, sua esposa, Alice (Suzy Jane Hunt), suspeitosa do envolvimento soviético, ameaçou expor os Jennings. Mas quando Tim voltou são e salvo para a casa, o relacionamento entre as duas famílias se realinhou.

Tim e Alice foram jantar na casa dos Jennings, e mantiveram seu segredo quando souberam que Stan Beeman (Noah Emmerich), que mora na casa em frente à dos Jennings, é um agente do FBI. Elizabeth, que é cética em relação às aventuras de Philip com o Seminário de Treinamento Erhard, ou EST, na sigla em inglês, foi capaz de aceitar uma porção bem limitada de aconselhamento pastoral de Tim. E quando Alice deu a luz à sua filha, Paige foi a primeira pessoa de fora da família a segurar a criança.

Emmy

Depois de ser esnobada pelo prêmio Emmy por três temporadas, “The Americans” finalmente foi reconhecida de maneira consagradora em seu quarto ano. Foi indicada a cinco categorias, incluindo Melhor Série de Drama, Melhor Ator (Matthew Rhys) e Melhor Atriz (Keri Russell). No Brasil, as duas primeiras temporadas estão disponíveis na Netflix e a quarta temporada no canal a cabo FX.

Vidas descartáveis

O anticlímax foi coerente com duas coisas que “The Americans” faz espantosamente bem: confundir expectativas e se concentrar nas necessidades e anseios humanos dos personagens, mesmo os de alguém engajado em um grande confronto geopolítico. Mas isso também significa que, quando a série terminou mais uma temporada com os Jennings na iminência da fuga, pareceu um pouco esvaziada. Nessa altura, a maneira mais interessante como “The Americans” poderia terminar é com os Jennings como residentes permanentes, ainda que levemente alienados, da sociedade americana.

Desde o início de sua exibição, “The Americans” tem flertado com as seduções dos Estados Unidos, desde a tentação de Philip por um par de botas de caubói até a conversão de Paige para o cristianismo. Mas se os Jennings são ideologicamente contrários aos Estados Unidos, a perspectiva de retornar à União Soviética pairou sobre essa temporada como uma névoa sombria.

A lembrança mais dura, mas dificilmente a única, de como seria voltar para casa veio quando Nina (Annet Mahendru), uma ex-oficial da rezidentura soviética em Washington que conseguiu encravar uma existência suportável para si mesma em um gulag soviético, levou um tiro na cabeça sem nenhum aviso ou cerimônia por um pequeno ato de resistência aos superiores. É difícil pensar em uma ilustração mais clara do que significa viver em uma máquina do que ver quão descartável era Nina, e como seus pequenos atos de humanidade lhe custaram tudo. “The Americans” nunca precisou nos mostrar grandes fomes ou expurgos para ilustrar para que Philip e Elizabeth estão trabalhando. Mas ainda assim foi perturbador ver a morte de Nina.

Solidão e Sonho Americano

E quando Martha (Alison Wright), a secretária do FBI que Philip seduziu e com quem se casou mediante uma identidade falsa, quebrou e teve de ser extraída, vê-la voar para a União Soviética, carregando um rato morto com uma cepa de uma doença fatal, foi devastador. O mal que tinha sido feito a ela era incalculável, e agora ela estava indo para um lugar onde não conhecia ninguém, onde seu padrão de vida quase certamente seria pior, e onde não teria sequer o consolo da companhia, ainda que falha, de Philip.

Mais tarde, quando o “handler” (aquele que gerencia os agentes de campo) Gabriel (Frank Langella) estava tentando encorajar William (Dylan Baker), um espião e especialista em armas biológicas que estava perdendo os nervos por ter de entregar uma cepa da febre de Lassa para os soviéticos, Gabriel prometeu a William que ele poderia ir para casa depois que a operação terminasse, e que o Centro lhe daria uma esposa e uma família. Foi uma oferta vazia: na iminência de ser capturado, William infectou a si mesmo com a febre e, conforme morria de maneira horrível, disse a Stan e ao parceiro de Stan, Dennis Aderholt (Brandon J. Dirden), que não havia ninguém na União Soviética para quem ele quisesse deixar uma última palavra.

“Com o tempo, a coisa que fazia isso especial, que me fazia especial, meus poderes secretos, por assim dizer, se tornaram uma maldição. Estava sozinho. Isolado. Muito solitário. Procurava me conectar com as pessoas. Não amigos, exatamente. Talvez algo mais como conhecidos. Mas havia sempre uma distância. Uma barreira. A ausência de intimidade te deixa seco por dentro”, William ruminou. “Queriam que me casasse. Tentei. Estávamos lutando. Eu estava. Queria ter estado com ela por todos esses anos. Como eles. Um casal de filhos. Sonho Americano. Nunca suspeite deles. Ela é bonita. Ele é sortudo.”

E quando Gabriel, temeroso do que William estivesse dizendo em cativeiro, diz a Philip e Elizabeth que acha que eles deveriam retornar à União Soviética, prometendo-lhes honras no seu retorno, a decisão não é tão certa para o casal quanto poderia ter sido no passado. E ocorre que do outro lado da rua Paige está dando o próximo passo em seu próprio Sonho Americano conforme seu doce romance com Matthew (Danny Flaherty), filho de Stan, progride.

“Acabei de passar em casa. Não acho que Matthew e Paige estivessem apenas assistindo futebol”, Stan, totalmente deleitado, diz a Philip conforme o apressa para dentro de casa para apanhar Paige, e os dois pais encontram seus filhos sentados em lados opostos do sofá, tentando disfarçar o que eles estavam fazendo segundos antes. “Pai da nova, você é quem paga. Pode usar meu quintal se quiser.”

A reação de Philip conforme atravessa a rua com Paige é atipicamente feroz: ele proíbe Paige de namorar Matthew enquanto a casa da família avulta-se diante deles, a luxuosa propagação de um Sonho Americano cercando-os como uma armadilha. Sua voz está tensa de medo, e talvez de ciúmes.

Ressentimento

Philip teve de deixar para trás o amor de sua juventude para casar com Elizabeth (apesar de que ele não sabe, mas o filho que resultou de seu primeiro romance está indo para os Estados Unidos para encontrá-lo), e ainda que esteja preocupado que o envolvimento de Paige com Matthew arrisque expor a já vulnerável família, não consigo deixar de pensar que seu natural instinto protetor paternal está manchado com ressentimento por ele não ter podido escolher seu destino tão livremente assim.

A própria premissa de “The Americans” é que Philip e Elizabeth estavam dispostos, e capazes, de priorizar um embate de ideologias sobre sua felicidade pessoal. Pelo tempo em que seu casamento melhorou, pareceu que eram capazes de ter tanto autorrealização quanto uma missão. Mas agora que estão enfrentando a escolha em nome de seus filhos, a decisão não é fácil, se alguma vez o foi.

Tradução: Pedro de Castro
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