Bom seria se pudéssemos simplesmente voltar no tempo e assistir ao passado, ainda que como espectadores incapazes de alterar seu rumo. Olhar nos olhos daqueles que já morreram e tocá-los. Ouvir suas vozes mais uma vez. Desapego não é dos sentimentos mais comuns do ser humano. A nostalgia, sim. Conduz um escritor (Fernando Alves Pinto) a revisitar, pela memória, a casa dos pais, onde passou uma infância pobre, no espetáculo A Mulher Que Ri, que fez sua última apresentação ontem na Mostra Contemporânea.
Metáforas traduzem plasticamente a relação do personagem com o passado. A residência da família é um cubo revestido na face frontal por uma fina tela que esmoesse as imagens de seu interior, e disposto no meio do palco, rodeado pelo vazio. Apartado do resto da vida. O filho surge em cena com um boneco pendurado nas costas: a criança que foi e ainda carrega consigo.
Observa um tempo agora inatingível, tentando entender, ao olhar para trás, os motivos que faziam de sua mãe a mulher que ria da miséria, em contraste com um pai endurecido e inábil ao demonstrar amor. Revivendo o passado, quer se parecer um pouco mais com ela.
O elenco faz um trabalho irretocável, valorizando o texto comovente, que o dramaturgo Paulo Santoro (revelado com O Canto de Gregório, sob a direção de Antunes Filho) lega ao teatro. Mais uma obra (mas não uma qualquer) sobre memória e família, os temas delicados que neste Festival de Curitiba já haviam sido bem explorados em O Zoológico de Vidro e Inveja dos Anjos. Permanecem inesgotáveis, porque geram identificação e, quando tratados com a delicadeza desse espetáculo, dirigido por Yara de Novaes, calam fundo no peito.
Uma imagem como a cena final não se esquece: os rostos do pai e da mãe enquadrados no cenário como fotografias antigas que pendem na parede, desaparecendo na escuridão. Quem já velou seus pais entende a força terrível dessa imagem derradeira, os outros todos, infelizmente, hão de descobrir.
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