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O Filósofo e o Lobo: o escritor Mark Rowlands e Brenin: convívio de 11 anos | Divulgação
O Filósofo e o Lobo: o escritor Mark Rowlands e Brenin: convívio de 11 anos| Foto: Divulgação

Assumindo-se meio perdido na vida, Mark Rowlands leu nos classificados do jornal que um homem vendia filhotes de lobo. Comprou um com os US$ 500 que tinha e o chamou de Brenin. Em 15 minutos de convivência, gastou outros 500 porque o bicho comeu o encanamento da casa, que corria por um vão livre debaixo da construção. Essa foi a primeira e uma das poucas ocorrências difíceis com que o professor de Filosofia teve de lidar ao adotar um animal de estimação incomum.

De resto, a mais de uma década que passou ao lado de Brenin foi transformadora. Rowlands tinha experiência com cachorros – sua família os adorava – e conseguiu aplicar vários dos conhecimentos que tinha. Ob­­servar Brenin de perto, treiná-lo e carregá-lo para cima e para baixo (se o deixasse em casa, ele a destruiria) levou o escritor a fazer comparações entre o mundo lupino e o humano.

Anos depois da morte de Brenin, Rowlands teve condições de sentar e escrever sobre as coisas que aprendeu com o animal. O Filósofo e o Lobo é uma espécie de Marley e Eu com toques de Aprender a Viver. Porém, tendendo mais para o primeiro.

Mais da metade do livro de Rowlands serve para explicar questões práticas ligadas ao lobo. Apaixonado por animais e fascinado por Brenin, escreve muitas páginas contando em detalhes os procedimentos para treiná-lo, ensinando Brenin a caminhar do seu lado, a largar algo que não devia morder, a ficar parado quando necessário.

O autor explica também por que teve de levar o lobo consigo inclusive para o trabalho. Brenin deitava num canto da sala e, às vezes, uivava (provavelmente de tédio, segundo Rowlands) e às vezes comia o lanche dos alunos. O autor cita pormenores de uma viagem que fez dos Estados Unidos para a Irlanda, sua terra natal, obrigando Brenin a ficar de quarentena, preso em um tipo de canil do governo.

Quando desenvolve questões filosóficas – as "lições da natureza sobre amor, morte e felicidade" que aparecem no subtítulo do livro –, sustenta seu raciocínio com a ideia de um embate entre o "primata" (o homem, descendente de símios) e o "lobo" (a raça de Brenin).

"O primata é a tendência a basear os relacionamentos em um só princípio, invariável e inflexível: o que você pode fazer por mim e quanto isso vai me custar?", escreve Rowlands. "O primata é a tendência a pensar que as coisas mais importantes da vida decorrem de uma análise de custos e benefícios."

Ele discorre sobre experimentos científicos que avaliaram as habilidades ardilosas dos macacos, capazes de ser tão traiçoeiros quanto qualquer ser humano.

A ausência de malícia é uma das qualidades de Brenin enaltecidas por Rowlands. O escritor admirava o lobo a ponto de desejar ser como ele e de correr com a elegância que ele corria.

"Por que nós – ou ao menos alguns de nós – amamos nossos cachorros? Por que eu amava Brenin?", se questiona a certa altura do livro. "Eu gostaria de pensar – recaindo em outra metáfora – que nossos cães mexem com algo que existe nos mais profundos recessos de um lugar há muito esquecido de nossa alma. Neste lugar mora um ‘nós’ mais antigo – uma parte de nós que já estava lá antes de nos tornarmos primatas. É o lobo que fomos um dia. Esse lobo com­­preende que a felicidade não pode ser encontrada nos cálculos. Compreende que nenhum relacionamento de fato significativo pode ser baseado em um contrato."

Mais do que um livro de filosofia, Rowlands escreveu uma declaração de amor ao lobo.

Serviço

O Filósofo e o Lobo, de Mark Rowlands. Tradução de Paulo Afonso. Objetiva, 216 págs., R$ 33,90.

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