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Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo| Foto:

Se há um elemento do nosso comportamento social que me irrita profundamente é a reação instintiva para identificar, sempre e imediatamente, o aspecto negativo de tudo e de qualquer coisa. Desde uma conversa de bar na periferia a reuniões com empresários em bairros nobres, na média, quando falamos do Brasil, a maioria reage pontuando, primeiro, os pontos negativos de uma maneira que, mesmo que não seja, soa profundamente derrotista.

Crescemos ouvindo em ambientes muito diferentes que o Brasil nunca vai dar certo, que brasileiro não tem jeito mesmo, que se fosse num país civilizado, um determinado problema (pense em qualquer um) jamais aconteceria; e, se acontecesse, seria resolvido. Esses chavões, uma vez convertidos em senso comum, são como uma formação superior naquilo que há de mais inferior na nossa cultura, cujos elementos distintivos e virtuosos são desconhecidos, ignorados ou até mesmo vilipendiados, o que facilita a visão apocalíptica que temos sobre a nossa identidade e sobre o país. Faça o teste: em qualquer conversa com familiares, amigos e conhecidos, pergunte o que eles acham do Brasil e dos brasileiros e preste atenção nas respostas.

Esse tipo de visão sobre o país e sobre o que somos não espanta: após anos sendo treinados sob esse método, chega um momento da vida em que somos incapazes de reconhecer as nossas virtudes do passado e do presente. Se tudo é igualmente nefasto, se não há nada que se salve, se não há nada de positivo, como ter uma opinião benevolente, altiva, orgulhosa?

Quando falamos sobre o Brasil, o que vem imediatamente à cabeça não são as pessoas do nosso convívio, nossos familiares e amigos, as pessoas que admiramos, aquilo que dá certo a despeito de tudo, mas os políticos, o governo, o STF, a corrupção, a criminalidade, os serviços estatais, o comportamento antiético. Quanto maior o conhecimento sobre os nossos vícios, mais elevada é a indignação com o “Brasil”. Isso afeta diretamente o espírito e o psicológico daqueles que nutrem pelo país e pelos brasileiros, com ou sem razão, os piores sentimentos. O que acontece de mais grave nas esferas social, política e econômica molda ou favorece enormemente esse tipo de opinião.

A situação fica ainda mais grave quando esse estado de exasperação em relação ao Brasil, combinada com uma compreensível ignorância política e econômica, conduz muitos a propor soluções revolucionárias que não deram certo no Brasil nem em outras partes do mundo. Digo “revolucionária” pelo impulso de querer destruir o que existe e começar tudo do zero para inaugurar alguma novidade qualquer, como se a nossa história e a de outros países já não tivessem revelado o erro fatal dos projetos revolucionários.

Como aqui a tradição é ignorada ou insultada como expressão de conservadorismo, há um hábito de achar que a inovação pela inovação é sempre necessária para que o Brasil, “um país sem solução”, recomece do zero eternamente. Porque desconhecemos a nossa tradição e ignoramos o que é conservadorismo, temos o hábito de propor regularmente uma revolução permanente para acabar com tudo aquilo para o qual não vislumbramos solução (corrupção, impunidade, degradação moral, pobreza). Nesse esforço destrutivo, que é, portanto, revolucionário, não aprendemos a construir. Pelo contrário, somos ensinados e instigados a destruir.

Esse tipo de postura e posição não respeita classe social e conta bancária. Aqueles que mais maldizem o Brasil e os brasileiros parecem ser os que têm maior poder aquisitivo. A própria degradação cultural da elite econômica criou uma armadilha, à qual está presa, e que ela nem sabe que existe.

Se no passado havia, na média, uma elite econômica muito bem formada e com vínculos profundos com o país, que empreendia esforços para dar o seu melhor como contributo à sociedade, uma parcela numerosa da que existe hoje parece ter como missão de vida apenas ganhar e gastar dinheiro e falar mal do país do conforto da sua cobertura ou de sua casa no exterior. Muitos deles são, inclusive, corresponsáveis pela situação política porque ajudaram ou financiaram políticos e partidos socialistas e oligarcas. E seus filhos, criados por babás e depois educados por professores de esquerda, tornam-se a descendência degenerada de algo que já não era bom. Quando as coisas pioram por aqui, arrumam as malas e vão reclamar do Brasil do exterior.

Apesar do dinheiro e do ensino formal em boas escolas, de ter tido acesso a muita coisa a que a maioria dos brasileiros jamais teve, há uma parcela da sociedade que escolhe o erro em vez do acerto, a mentira em vez da verdade. Você pode ter nascido em família pobre e se tornar um Lula; ou em família rica e se tornar um Guilherme Boulos. Não é o dinheiro – ou a falta dele – que vai definir quem você é.

Paradoxalmente, e talvez mesmo pelo senso comum corrompido, somos um povo sedento por bons exemplos. Por isso mesmo, temos por hábito projetar em times, seleções, ídolos do esporte, por exemplo, aquele sentimento sufocado pelo costume e pela dura realidade. Quando eu conto para pessoas de classes sociais e graus de escolaridades muito diversos sobre os grandes nomes do nosso Império, o interesse é tão intenso quanto a expressão de encantamento diante da descoberta: “O Brasil já foi assim? Nunca ouvi falar disso!”

Felizmente, as coisas estão mudando para melhor, embora não pareçam, porque a transformação em curso não consegue se sobrepor a tudo de ruim que existe e pela forma agressiva como parcelas da sociedade têm se manifestado, por exemplo, sobre a política. Mas até mesmo esse envolvimento agressivo é parte de um processo de maturidade benéfico que, acredito, dará bons frutos no futuro se as virtudes se impuserem sobre os vícios. É dever, portanto, de cada um de nós colaborar para melhorar o país e fazer das nossas qualidades o padrão de reconhecimento da nossa identidade.

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