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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil| Foto:

O reajuste de 16,38% dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Michel Temer, é escandaloso do ponto de vista ético e econômico.

De uma perspectiva econômica, a decisão de aumentar de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil deverá impor um gasto adicional de cerca de R$ 4 bilhões ao ano na já obscena despesa estatal. Provocará, de imediato, o aumento em cascata dos salários da magistratura, do Ministério Público, de outros servidores federais e estaduais e elevará o teto salarial de todas as categorias.

De uma perspectiva ética, os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo fizeram uma escolha que os beneficia e prejudica todos aqueles que não são servidores. Ao fazê-lo, transferiram para a sociedade uma despesa injustificável em razão do momento econômico do país e do endividamento do governo federal (e dos governos estaduais), que tem grande parte de sua receita comprometida com gastos fixos.

Ao mesmo tempo em que sofremos os reflexos de uma crise criada pelo Estado, seus servidores usam o poder que têm para ampliar o custo de sua incompetência para a sociedade. Sim, porque os membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são responsáveis, por ação ou omissão, pela crise política e econômica que colocou o país na situação atual.

O que os ministros do STF, os parlamentares e o presidente também nos disseram com esse reajuste, exemplo perfeito e acabado de rentismo fundamentado no estatismo de compadres (a versão estatal do capitalismo de compadres), é que as corporações de servidores são uma casta superior que pode privilegiar a si mesma em detrimento da sociedade, que é sempre obrigada a pagar a conta.

No meu novo livro, Direitos Máximos, Deveres Mínimos – O Festival de Privilégios que Assola o Brasil, mostro os mecanismos que explicam a criação, aumento e preservação de privilégios dentro do Estado brasileiro e como os poderes operam para se beneficiar mutuamente.

Ser parte integrante de um dos três poderes facilita a pressão e a negociação com os membros do Judiciário, Legislativo e Executivo, que, sob pressão ou interesse de cooptação, também criam privilégios para grupos da sociedade. Para isso a teoria da Escolha Pública dá o nome de de rent-seeking ou rentismo. O economista Gordon Tullock definiu rent-seeking como “o uso de recursos com a finalidade de assegurar renda econômica para pessoas, sendo que essa renda provém de alguma atividade que tem valor social negativo” (Government Failure: a Primer in Public Choice, p. 43).

Uma das principais consequências sociais perversas do rent-seeking é encorajar um número crescente de pessoas a buscar vantagens por meio da política. Quando incentivos para o rentismo estão institucionalizados – como é o caso do Brasil –, corporações estatais e grupos civis de pressão organizados encontram terreno fértil para a criação de novos ou para a preservação de direitos e privilégios existentes.

No meu livro, eu cito a tese de doutorado Uma espiral elitista de afirmação corporativa, em que autora, Luciana Zaffalon Leme Cardoso, mostra como o Poder Judiciário de São Paulo conquistou e preservou os seus interesses corporativos através de rentismo.

Embora o instrumental teórico da tese seja completamente divergente do que eu usei no meu livro, as informações que ela coletou demonstram como uma corporação influente é bem-sucedida no seu objetivo de se sobrepor à sociedade por meio de “benefícios remuneratórios e/ou vantagens” (auxílios, gratificações, bonificações e abonos) conquistados a partir da influência nos poderes Legislativo e Executivo estaduais. O método identificado no Poder Judiciário de São Paulo é similar ao que é usado na esfera federal e explica o reajuste do vencimento dos ministros do STF acordado entre os três poderes.

Para deixar a história ainda mais indigna, parece ter havido uma barganha entre o STF, o presidente e o Congresso a favor do reajuste. As notícias veiculadas pela imprensa davam conta de que o ministro Luiz Fux havia prometido revogar o auxílio-moradia para membros do Judiciário, Ministério Público, defensorias públicas e tribunais de contas caso o aumento fosse concedido. O benefício, porém, não foi tecnicamente extinto. Na decisão, Fux determinou que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público regulamentem, não acabem, com o privilégio, que, provavelmente, continuará a existir sob regras diferentes.

Para a sociedade, esse exemplo de estatismo de compadres resultará numa conta ainda mais salgada para nós pagarmos: trocou-se uma despesa de R$ 333 milhões por ano como pagamento de auxílio-moradia a magistrados por um reajuste que, considerando todas as categorias que serão beneficiadas, nos custará R$ 4 bilhões ao ano.

Quando servidores do Estado amealham um privilégio, impõem à sociedade o custo de sua conquista. Os custos dessas transferências, segundo Tullock, são significativos e geram problemas estruturais (“The Cost of Transfers”, Virginia Political Economy, v. 1, p. 180). A partir de janeiro, o novo governo e o novo Congresso terão de enfrentar mais esse problema. E nós, como sempre, teremos mais uma conta para pagar. Isso num país onde o Judiciário gasta mais e produz menos do que em países com graus de desenvolvimento similares ao nosso, e onde seus magistrados têm mais de 30 privilégios, tais como dois meses de férias anuais, recesso de 14 a 30 dias, auxílios para alimentação, transporte, plano de saúde, dinheiro para livros e computadores e ajuda até para pagar a escola particular dos filhos, segundo levantamento produzido pelo Banco Mundial em 2015.

Essa é uma advertência importante para o presidente e os parlamentares de direita eleitos: se os privilégios não forem eliminados e os incentivos não forem alterados, as benesses continuarão a existir e a afetar diretamente o funcionamento da nossa sociedade sob os auspícios da legislação e das instituições.

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