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Arte: Felipe Lima
Arte: Felipe Lima| Foto:

Especialmente depois de um processo eleitoral tão desatinado, o Natal devia ser antecipado para 25 de novembro. Com o bimbalhar dos sinos, a nuvem negra que acompanha a cabeça dos vencidos talvez se dissipasse e, assim, o espírito natalino amainasse a empáfia dos vencedores.

Com ou sem revisão do calendário, não há como desconhecer que, com certa antecedência, começamos a sentir os primeiros sintomas da TPN. A temerosa Tensão Pré-Natalina, moléstia dos nervos que provoca um frio na barriga aos primeiros acordes do Jingle Bells.

Assim como Maria e José, o casal Nicolau e Nicoleta tem só um filho. Noel é o nome dele. E as semelhanças param por aí, pois Jesus nasceu numa estrebaria e Noel, na Maternidade Victor do Amaral. Além do mais, Nicolau e Nicoleta estão longe de viver na santa paz de Deus. Nessa época natalina o casal sofre de ansiedade, culpa e estresse, acompanhados de um sininho que fica batendo intermitentemente no ouvido. São os primeiros sintomas da TPN. Agravados com as belas decorações de Natal: quanto mais bonitas e luxuosas, mais nos sentimos culpados pelas misérias do mundo.

Nicolau e Nicoleta estão à beira de um ataque de nervos, como não podia deixar de ser. Chamados à razão pelo terapeuta da família, foram aconselhados a fazer uma lista de prioridades para estes últimos dias de sufoco: 1. Comer melhor e com calma, mastigar bem e passar ao largo da praça de alimentação do shopping; 2. caminhar no parque e não de loja em loja; 3. evitar surpresas no cartão de crédito; 4. organizar a agenda e só comparecer a encontros de confraternização com a garantia de não encontrar os inimigos secretos de sempre; 5. preparar o espírito para enfrentar o trânsito, o furor aquisitivo, o telemarketing, panfletagens, promoções e resistir, se puder, ao sorteio de automóveis em troca do valor das compras; 6. meteorologia é bobagem, mais confiável é consultar os búzios antes de fazer as malas para a temporada na praia (confira com atenção se uma empregada doméstica está bem acomodada na frasqueira); 7. suprir o farnel de remédios, o estoque de protetor solar e não se esquecer de preparar o kit-iemanjá para a virada do ano: lentilhas, uvas, cueca amarela, camisa branca, champanhe que não seja de sidra e muita paciência, muita paciência, com foguetório 24 horas do maldito vizinho de praia.

Ah, os fogos de artifício! No último Natal, quando Nicolau voltou para casa depois da festa do amigo secreto (era um pouquinho tarde, ele confessa), a esposa Nicoleta o aguardava com uma notícia que caiu como um rojão: “Perdi o meu espírito natalino!”

“Não acredito!”, respondeu o estupefato Nicolau. “Já procurei por tudo. Já liguei até para o Luiz Carlos Martins, na Banda B, oferecendo mil reais para o ouvinte que o achar.”

“Calma, não entre em desespero. Vamos recapitular por onde você andou hoje. Foi ao shopping?”

“Fui!”

“Então está na cara que você perdeu o espírito natalino com o preço de um tênis.”

Nicoleta balançou negativamente a cabeça: “Depois do shopping passei na igreja das Mercês e, se bem lembro, enquanto me benzia ainda estava com ele.”

“E depois da bênção dos Capuchinhos?”

“Entrei na Rua Desembargador Motta e fui visitar tua mãe na Água Verde.”

“Está explicado! Você perdeu o espírito natalino no triângulo das Bermudas da Rua Desembargador Motta, Brigadeiro Franco e Silva Jardim.”

Nicoleta pensou e pensou: “Também não foi no engarrafamento. Lembro que antes de discutir com tua mãe onde seria a ceia de Natal, na nossa casa ou na casa da tua irmã, eu ainda estava com espírito natalino. Mas saí de lá bem calminha e fui ao supermercado.”

“Pronto! Você esqueceu o espírito natalino no caixa!”

“Pode ser. Mas, se eu estivesse sem o espírito natalino, não teria comprado tanto chocolate!”

“E lá se foi o nosso Natal…”

“Nicolau, onde será que deixei o espírito natalino?”

“Sei lá, Nicoleta! Em algum lugar do passado!”

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