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Arte: Felipe Lima
Arte: Felipe Lima| Foto:

Luiz Inácio Lula da Silva tem o direito constitucional de dois dias de sol por semana. Em se tratando do mais ilustre prisioneiro da República, é um privilegiado que nem mesmo os mais ilibados curitibanos fazem por merecer em toda a sua plenitude. Com este inverno tão atípico, Lula precisa de algumas lições para entender melhor a República de Curitiba, cidade que mereceu este polêmico epíteto por ele mesmo criado e mantido.

Para a sobrevivência em Curitiba, mesmo em condições restritas, a primeira lição: Primavera, Verão, Outono e Inverno foram feitos um para o outro, pena que aqui em Curitiba os quatro nunca acertaram seus ponteiros. Tudo por causa do Sol, o velho patriarca, que não se importa de ver o Outono de mãos dadas com a Primavera, o Inverno em segredos com o Verão.

Segunda lição: em qualquer estação do ano não existe um Sol curitibano. São vários, o denominado Astro-Rei – como diria aquele veterano redator de reclames. O curitibano pode ser considerado frio, avesso ao calor humano. Em contrapartida, sua admiração pelo Sol é calorosa. Mesmo num senegalesco janeiro, quando por força da autoridade máxima nos submetemos ao horário de verão, não existe um Sol em Curitiba. São vários, pois é bem sabido que cada cidade do planeta tem o seu próprio sistema solar, com suas próprias idiossincrasias.

No Brasil, a família Sol é grande. Na Bahia, o Sol é baiano. Tem a rotina copiada de Dorival Caymmi: não se põe, vem deitado numa rede e lá se deixa ficar de papo pro ar. E ai da nuvenzinha metida que ousar lhe tirar do sossego. Transforma a atrevida em água de coco. O Sol paulista é poderoso. Tem uma vasta jurisdição, daí que é assim cansado e pouco dá expediente no Vale do Anhangabaú. Em Santa Catarina, em cada praia um Sol. Em Balneário Camboriú o Sol nasce para todos, mas o pôr-do-sol é só para os que têm apartamento de cobertura. No Rio Grande do Sul, a luz nasce na casa de Luis Fernando Verissimo e se põe na Orla do Guaíba, agora com o cenário de apoio criado por Jaime Lerner. Na Argentina, o Sol não brilha, é ofuscado pelo Astro-Rei local, o ego autóctone dos portenhos. O Sol do Rio de Janeiro é um fenômeno da natureza. Nas águas da Baía de Guanabara, desfila em passarela. Enquanto no resto do Brasil a família Sol nasce no mar, no Arpoador ele deita no mar, com direito a plateia, champanhe e aplausos. Sem lenço, sem documento, o Sol carioca é uma unanimidade.

Um dos primeiros a estudar o Sol curitibano, bem de longe, foi o escritor Manoel Carlos Karam. Perguntava ele na crônica “A cidade sem mar”, na finada coleção leitE quentE da Fundação Cultural de Curitiba: “Existe sol em Curitiba? A cidade sem mar é obrigatoriamente uma cidade sem sol? A cidade com ano de duas estações – inverno e rodoferroviária – não tem direito a sol? Não há sol no inverno, mas há sol na rodoferroviária. Um enorme sol pintado na traseira dos ônibus da Graciosa, a empresa que tem linhas de Curitiba para o litoral. O curitibano leva um sol nas costas ao fazer o trajeto Curitiba-Atlântico”.

Em Curitiba o Sol também nasce para todos, mas convém acordar cedo para pegar um lugar na fila do Parque Barigui. Mesmo assim, tem provocado muita polêmica. Parte dos curitibanos é fã de carteirinha do astro. Outra parte o abomina, preferindo as sombras do inverno, as delícias do frio. Aqui na Capital Mais Fria do Brasil os ouvintes ligam para as rádios reclamando quando o locutor informa que o tempo vai melhorar: “Tá bem bom assim. O tempo não precisa mudar!” – protestam os adictos ao cinza escuro. É um direito de todos: para quem gosta do mais ou menos, ótimo lhe parece.

São poucos os que conheceram pessoalmente o Sol, com nome e sobrenome. Entre eles Manoel Carlos Karam, quando escrevia e dirigia peças de teatro com José Maria Santos; o iluminador Beto Bruel; o teatrólogo, diretor e ator Enéas Lour; o sonoplasta Wasyl Stuparyk; atores e atrizes como Ary Fontoura, Luis Melo, Edson Bueno, Emílio Pitta, Lota Moncada, Fátima Ortiz, Carmem Hoffmann; enfim, todos os veteranos da classe teatral curitibana; e este que agora vos escreve, quando fazia cenários no Teatro Guaíra. Naqueles idos do fim do século passado, um dos funcionários da Fundação Teatro Guaíra tinha o nome de Sol Rodrigues. Irmão do cantor Universo Rodrigues (uma das estrelas da PRB2, Rádio Clube Paranaense em seus áureos tempos), Sol Rodrigues atuava na órbita do Guairão: era ator, bilheteiro, colador de cartazes e, na Semana Santa, era requisitadíssimo para o papel de Cristo Crucificado.

Conhecemos o Sol em carne e osso. Era um bom e generoso amigo.

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