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Foto: Twitter/Kimberly Breier
Foto: Twitter/Kimberly Breier| Foto:

O Senado dos EUA aprovou por aclamação na última sexta-feira o nome de Kimberly Breier como secretária-adjunta de Estado para o Hemisfério Ocidental. O cargo é uma divisão da diplomacia dos EUA para relações com a América Latina, o Caribe e o Canadá. Foi criado ao final da Segunda Guerra Mundial para assuntos “inter-americanos”, ganhando o nome atual, hemisférico, no ano 2000.

Na hierarquia geral da diplomacia dos EUA, os seis secretários-adjuntos regionais estão em quarto lugar, abaixo do Secretário de Estado Mike Pompeo e seus dois subsecretários; um é nomeado politicamente e o outro é, obrigatoriamente, um diplomata de carreira. Nesse posto, Kimberly Breier será a ponte entre a América Latina e Mike Pompeo, coordenando a comunicação entre as embaixadas e Washington. Ou seja, ela que definirá prioridades regionais e focos de ação do governo Trump para a região, incluindo o Brasil.

Quem é Kimberly Breier

Breier é diplomata do serviço exterior dos EUA, e o foco de sua carreira foi justamente a América Latina. Ela é republicana e é graduada em espanhol, com mestrado em Estudos Latino-americanos na prestigiada Georgetown University, um dos principais centros de estudos de relações internacionais nos EUA.

Quando se diz “serviço exterior”, não se resume ao foco diplomático, mas também a inteligência. Por cinco anos, entre 2000 e 2005, Breier foi analista política produzindo “relatórios de inteligência” para o governo dos EUA sobre a América Latina. Em outras palavras, ela foi integrante de alguma agência de inteligência, como a CIA ou a NSA.

Nos anos seguintes, em função relacionada, ela foi do Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca, sob a presidência de George W. Bush, conduzindo relatórios de inteligência e segurança sobre México, Canadá, Brasil, Cone Sul (termo utilizado em seu depoimento perante o Senado) e também “diretora interina” para a região andina.

Entre 2012 e 2016, Breier trabalhou na iniciativa privada, em empresas de consultoria de risco de investimentos. Em um intervalo entre a iniciativa privada e o retorno ao serviço público, Breier passou um ano como diretora de iniciativas EUA-México no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, conhecido pela sigla em inglês CSIS. A mídia dos EUA, inclusive, refere-se a Breier como “expert em temas mexicanos”.

Fundado em 1962 pelo almirante e analista geopolítico Arleigh Burke, o think tank CSIS busca ligar a Georgetown University com o governo dos EUA, ampliando o leque de opções de analistas disponíveis para processos decisórios do governo em política internacional. Durante o período em que Henry Kissinger esteve na Secretaria de Estado, o CSIS ganhou má-fama por ter sido usado, comprovadamente, como ferramenta de criação de inteligência e contrainteligência para o apoio de instauração e gerenciamento de governos autoritários na América Latina, como o golpe de estado de 1973 no Chile.

Cargo vacante e prioridades

O cargo estava vago desde maio de 2016, quando era ocupado por Roberta Jacobson; desde então, dois interinos ocuparam a posição, um sob Obama e outro sob Trump. Os dois anos e meio de vacância do cargo mostram, mais uma vez, a dificuldade do governo Trump em fazer nomeações para o serviço exterior.

Isto ocorre por uma soma de fatores. Pautas prioritárias no Congresso; disputas partidárias; falta de nomes que agradem ao Executivo; e o pouco interesse de Trump pelas nomeações. Austrália, Turquia, México, Egito, Arábia Saudita, Jordânia. África do Sul e Suécia são alguns dos países que sequer possuem nomeações para o cargo de embaixador dos EUA.

Quando do seu depoimento perante a Comissão de Relações Exteriores, em 13 de Junho, Breier, em meio aos agradecimentos, disse que conheceu diversas pessoas que ocuparam o posto de secretário-adjunto, e que um deles comparou o trabalho com “jogar tênis com cinco máquinas de lançar bolinhas do outro lado da quadra”.

Uma referência ao difícil de trabalho de ponte: serão mais de duas dezenas de embaixadores enviando seus pedidos, críticas e recomendações para ela, que intermediará o contato com Washington. Seu depoimento pode ser dividido em três temas. Primeiro, o mero reforço da agenda externa oficial do governo Trump: “free and fair trade”, comércio livre e justo, combater o crime transnacional, deter a imigração irregular e “trabalhar via alianças” para melhorar a prosperidade e segurança dos EUA, e promover a democracia.

O segundo tema foi, em uma abordagem bem pragmática, realpolitik, frisar a importância da região para as relações exteriores dos EUA. “Precisamos acertar no Hemisfério Ocidental se queremos ter sucesso em outras partes do mundo (…) A diplomacia no Hemisfério teve um impacto direto e demonstrável na vida dos cidadãos maior do que qualquer outra região”.

Neste sentido, ela lembrou que mais da metade dos acordos de livre-comércio dos EUA são com países americanos, e que o comércio com o hemisfério é quase três vezes maior do que o comércio com a China. E, principalmente, é superavitário para os EUA, que exportam tecnologia e serviços de ponta, e importam principalmente matérias-primas e produtos agrícolas. Neste sentido, ela frisou a importância do setor privado em sua própria experiência.

O terceiro tema foram os aspectos regionais. Maior cooperação com o México, inclusive comercial; postura mais rígida com Cuba, de acordo com as “novas diretrizes” da presidência, evitando que uma aproximação “beneficie o aparato repressor”, crítica ao governo Obama; a Venezuela, em que ela pediu “grande cooperação” para um retorno à democracia e solução de crise humanitária; e a Colômbia, especialmente em temas de segurança.  

Sabatina e o Brasil

Como nos procedimentos do tipo, inclusive em Brasília, Breier foi sabatinada pelos senadores da Comissão, juntamente com os nomeados para as embaixadas no Uruguai e em Trinidad e Tobago. A Comissão estava presidida pelo senador Marco Rubio, republicano da Flórida com notórias posturas anti-Castro, tanto por razões ideológicas e pessoais (ele é filho de cubanos que emigraram antes do governo Fidel), quanto por razões políticas, já que a comunidade de descendentes de cubanos na Flórida é o seu principal eleitorado.

A maior parte das perguntas de Marco Rubio girou em torno dos temas já citados, como Cuba e Venezuela, além do autoritarismo de Ortega na Nicarágua. Breier disse cogitar sanções contra integrantes do governo nicaraguense e apoiar eventuais novas sanções contra Cuba. Também afirmou que a crise na Venezuela é “feita pelo homem”, insistiu que o país deve aceitar ajuda internacional e que o caminho é apoiar e auxiliar os países vizinhos, como Colômbia e Brasil, em lidar com a crise.

Uma pergunta sobre o tema Venezuela, feita por Rubio, foi interessante. Ele comentou das necessidades energéticas caribenhas, afetadas pelo colapso da indústria do petróleo na Venezuela. Principalmente, como esse colapso pode ser transformado em “oportunidades para o setor privado dos EUA”.

Especialmente para “impedir que um competidor geopolítico preencha esse vácuo”. Não nomeou, mas uma clara referência aos chineses. A resposta de Breier foi esquiva, garantindo que vai agir em nome dos interesses dos EUA e que as necessidades energéticas caribenhas estão sendo supridas em parcerias com Canadá e com México.

Os principais momentos da sabatina foram quando Breier foi confrontada pelos senadores democratas Bob Menendez e Ben Cardin. Menendez ficou espantado quando Breier foi esquiva, ao ponto de justificar os tuítes agressivos de Trump contra Justin Trudeau, premiê canadense. O mesmo Menendez colocou Breier contra a parede sobre o Temporary Protected Status (TPS), que protege nacionais em risco que estejam nos EUA.

A administração Trump tem descontinuado diversos países do programa, como El Salvador, ao contrário do recomendado pelo Departamento de Estado. O senador perguntou se isso não mostrava que o presidente simplesmente ignoraria relatórios e recomendações que não fossem do seu agrado, e como isso afetaria o trabalho dela. Além disso, perguntou qual foi o papel dela nessa contradição.

Após uma troca de palavras que contou com interrupções e uma intervenção conciliadora de Marco Rubio, o assunto foi encerrado quando Breier “admitiu” que o assunto não era consenso dentro do Departamento de Estado e que vozes dissonantes se fizeram ouvir em cooperação com outros departamentos, como o da Segurança Doméstica.

Outra discussão similar, com os mesmos envolvidos, ocorreu sobre a Organização dos Estados Americanos. Embora Breier tenha frisado que ela é a “principal instituição” hemisférica, o senador apontou a contradição da inação do governo Trump apesar do relatório da OEA sobre fraudes eleitorais em Honduras, no que Breier justificou a postura do governo.

E o Brasil, pode-se perguntar, qual papel teve nessa sabatina e em todo esse processo? O que já foi citado. Apenas como um parceiro dos EUA na solução da crise venezuelana. Outras referências foram em relação à cargos ou ao tamanho geográfico do país. Somente isso. Por um lado, significa que o Brasil não representa uma dor de cabeça internacional. Por outro, mais um exemplo do vazio brasileiro no tabuleiro mundial nos últimos três anos, ignorado por diversos líderes mundiais que visitaram a América Latina. Algo que a próxima presidência terá a obrigação de remediar.   

 

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