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Soldado israelense na cidade de Sderot, no sul do país, em 13 de novembro. Militantes da Palestina na Faixa de Gaza anunciaram um cessar-fogo com Israel nesta terça-feira. Foto: Jack Guez / AFP
Soldado israelense na cidade de Sderot, no sul do país, em 13 de novembro. Militantes da Palestina na Faixa de Gaza anunciaram um cessar-fogo com Israel nesta terça-feira. Foto: Jack Guez / AFP| Foto:

O governo israelense está por um fio. Não o Estado, mas o governo, capitaneado por Benjamin Netanyahu e seu partido Likud. Na noite do dia 11 de novembro, uma operação de inteligência por forças especiais israelenses dentro da Faixa de Gaza deu errado. Os agentes foram descobertos, ocorreu uma perseguição e troca de tiros, incluindo apoio aéreo israelense. Sete palestinos membros do Hamas ou da brigada Al-Nasser Salah al-Deen foram mortos, assim como um militar israelense.

Foi o estopim para dois dias de intensa troca de disparos, em patamar que não ocorria desde 2014. Centenas de mísseis, foguetes e projéteis foram disparados pelo Hamas contra Israel; por sua vez, forças israelenses realizaram duas centenas de ataques contra alvos na Faixa de Gaza. A transmissora oficial do Hamas, a TV Al-Aqsa, teve sua sede destruída, e, no mínimo, quatro palestinos e um israelense morreram.

Cessar-fogo

Na noite do dia 13, foi anunciado um cessar-fogo entre o Hamas e o governo israelense, mediado por Noruega, Qatar e Egito. O Hamas, quando lançou sua nova carta, o fez em Doha, e o grupo possui relações firmes com a monarquia catari. Já o Egito tem laços com os movimentos seculares palestinos, especialmente para evitar que as atividades do Hamas cruzem as fronteiras.

O interesse egípcio é, além de prevenir ações do grupo em seu território, combater elos mais fortes do Hamas com a Irmandade Muçulmana egípcia. A origem do Hamas está na Irmandade, que é o maior grupo islamita político do mundo, contra as ideias seculares e progressistas no mundo árabe. Quando a revolução de 1952 instaura o secularismo nasserista no Egito, o governo e os militares têm na Irmandade o principal antagonista.

Essa situação perdura até hoje, vide a deposição de Morsi, da Irmandade Muçulmana e único presidente egípcio eleito diretamente na História, por um golpe militar liderado por al-Sisi, marechal e agora presidente. Finalmente, a Noruega agiu como ator neutro, mediando a conversa entre os representantes internacionais e o governo de Israel. E, paradoxalmente, foi o cessar-fogo, e não o conflito, que desencadeou uma crise política.

Renúncia do Ministro da Defesa

Na discussão política brasileira, o cargo de ministro da Defesa não costuma ser foco de muitas atenções ou especulações na mídia. Vez ou outra algum nome especulado causava algum ruído de desagrado com os militares, nada mais que isso. Em Israel, não poderia ser mais diferente. Lá, o cargo é o segundo mais importante do governo, atrás apenas do próprio primeiro-ministro.

A importância da cadeira pode ser vista no fato de quantos ocupantes da pasta tornaram-se premiês ou acumularam os dois cargos. David Ben-Gurion, o líder trabalhista fundador do país, acumulou os cargos. Shimon Peres e Ariel Sharon foram ministros antes de serem premiês. E Avigdor Lieberman, até essa semana ministro da Defesa, renunciou ao cargo, em protesto ao acordo de cessar-fogo, afirmando que era “rendição ao terror”.

Ele é o principal líder do Yisrael Beiteinu (Israel Nosso Lar), movimento à direita que representa o mais de um milhão de judeus israelenses que chegaram ao país após a dissolução soviética; Lieberman nasceu na atual Moldávia. Outros integrantes do gabinete e lideranças políticas foram contra o acordo, a maioria dentro da direita religiosa israelense. É importante frisar que, em Israel, os movimentos políticos podem ser tanto seculares quanto religiosos.

Existe também uma direita secular, como o citado Yisrael Beiteinu, dentre outros exemplos. E quando se olha para o Knesset, o parlamento israelense, nota-se que a coalizão de Netanyahu é delicada. Com o desembarque de Lieberman, das 120 cadeiras, ele governa com 61. Apenas o mínimo necessário para a maioria. Problemas dentro de seu gabinete podem levar à uma dissolução de seu governo e uma série de cenários são possíveis.

Eleições antecipadas?

Especula-se a realização de eleições antecipadas, algo comum em regimes parlamentaristas. Em teoria, as próximas eleições israelenses serão apenas em novembro de 2019, daqui um ano. O partido Bayit Yehudi (Lar Judeu), da direita religiosa ortodoxa, estaria exigindo que Naftali Bennett, atual Ministro da Educação, seja apontado novo Ministro da Defesa. Com oito assentos, o partido é o terceiro maior na coalizão governista.

Ao mesmo tempo, existe o interesse de membros do próprio Likud, de direita liberal, de Netanyahu, no cargo. Do outro lado do espectro político, a União Sionista, de centro-esquerda, sucessora dos trabalhistas do Mapai que fundaram o país, e o Yesh Atid, liberal de centro, já trabalham a ideia de que chegou a hora de Netanyahu sair. Escândalos de corrupção, falta de coesão no governo e, agora, uma “concessão” ao Hamas.

Os movimentos da esquerda israelense costumam defender a negociação com os movimentos seculares palestinos. Não é o caso do Hamas, que é militante religioso. Nesse caso, há pouco aceite na opinião pública israelense. Além disso, em Israel existe um ditado similar ao ditado brasileiro da época monárquica. Aqui, se dizia que nada é mais saquarema do que um luzia no poder, e nada é mais luzia do que um saquarema no poder.

Isso era uma referência aos partidos conservadores e liberais que, quando chegavam ao poder, faziam concessões ao outro lado para não parecerem inflexíveis. No caso israelense, a esquerda, acusada de “fraca” pela direita, costuma buscar ações mais firmes na área de defesa; a direita, acusada de “truculência”, tenta caminhos de negociação. Em ambos os casos, para enfraquecer a retórica dos adversários partidários. Os assentamentos da “pomba” Shimon Peres e a retirada de Gaza pelo “falcão” Ariel Sharon são exemplos.

No caso de novas eleições, quatro cenários são possíveis. O primeiro, improvável, é que Netanyahu tenha respaldo eleitoral e seu partido cresça ainda mais no Parlamento, o que o coloca em situação favorável para reconduzir negociações de coalizão e de gabinete. O segundo, que ocorreu nos anos 1980 e em 2000, é que o Likud forme uma coalizão de união nacional de moderados, juntando-se com a centro-esquerda, aos moldes da aliança eleitoral alemã entre CDU e SPD.

Outros dois cenários são mais plausíveis. Uma vitória eleitoral da centro-esquerda, com a União Sionista conduzindo uma coalizão com os liberais do Yesh Atid e os verdes do Meretz. Isso colocaria o Likud de Netanyahu na oposição, curiosamente ao lado dos partidos dos árabes-israelenses. Hoje, 13 assentos no Parlamento são representantes dos cerca de um milhão e oitocentos mil árabes israelenses, um quinto da população.

E, finalmente, as urnas apoiarem uma postura ainda mais firme e de confronto contra o Hamas. Nesse caso, o governo do Likud seria potencialmente substituído por um governo ainda mais à direita, conduzido pelos partidos religiosos e pelo Yisrael Beiteinu. Essa coalizão potencialmente teria como líder e potencial primeiro-ministro justamente Avigdor Lieberman que, após quase duas décadas em importantes ministérios, talvez tenha se cansado do papel de fiador de coalizões eleitorais e queira o cargo maior para si.

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