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Aqui nesta coluna na Gazeta do Povo buscamos expor e discutir a política internacional. Mostrar sua importância, como ela pode afetar a vida dos leitores, ir além da superfície e do senso-comum, apontar caminhos e as origens de questões de nossos tempos. Nesse sentido, não basta ser reativo, falar das últimas semanas.

É importante ter em mente que alguns problemas são perenes, históricos e também que problemas podem surgir ou se agravarem à partir de fatos previstos. Nesta coluna seguimos a anterior e vamos passar por temas, dos maiores aos menores, para ficarmos de olho no ano de 2019. Nesta segunda parte, um giro pelo Oriente Médio e pela Ásia, assim como pela América Latina.

A Guerra Fria do Oriente Médio

Em 2019 continuará a disputa não tão silenciosa por influência e por alcance no Oriente Médio entre as potências regionais. A Turquia, com sua política externa cada vez mais voltada para a região, resgatando uma identidade visual de símbolos otomanos, uma aproximação com outros povos túrquicos e talvez o principal Estado fiador da Irmandade Muçulmana, muito presente em outros países e também em Gaza, com o Hamas. A Irmandade também serve de elo entre turcos e qataris, isolados no Golfo Pérsico.

Isolado pela outra potência regional, a Arábia Saudita, a monarquia sunita guardiã da cidade sagrada de Meca e o mais rico dos países árabes, que conduz a coalizão do Conselho do Golfo, trazendo consigo o Bahrain, Kuwait, Omã e os Emirados Árabes Unidos (EAU). Finalmente, a terceira potência regional é o Irã e sua abordagem de expandir sua influência regional como forma de balancear as sanções econômicas dos EUA; o maior país xiita do mundo conta com a simpatia das minorias adeptas dessa vertente do Islã, como os xiitas do Iraque, e também com o Hezbollah libanês.

Esses três atores estão em um tabuleiro com vizinhos com suas próprias agendas, como o desenvolvimento do Egito e a reconstrução nacional iraquiana, e com crises cujas soluções são disputadas pelos atores envolvidos. Um busca isolar o outro. No Iêmen, iranianos e sauditas apoiam facções opostas que disputam o controle do país que domina o Golfo de Aden e a passagem naval rumo ao canal de Suez. O ano começa com um cessar-fogo, que pode acabar antes da publicação dessa coluna ou resultar em uma paz duradoura, seja com um governo de união nacional ou até uma nova divisão iemenita, que até 1990 era dividido em dois.

É na Síria que novidades são mais esperadas. E mais possíveis. O Grupo de Astana, que reúne Turquia, Irã e Rússia, já aprovou a criação de uma constituinte para uma refundação da república síria. Cada um deles representa grupos e interesses distintos. Qual será o resultado? E como o Estado resultante agirá em suas relações externas? Recentemente, os EAU reabriram sua embaixada em Damasco, após seis anos.

A presença do Hezbollah na Síria é interessante para o Irã, vista como ameaça pelos sauditas e um incômodo para os sírios. Uma aproximação entre a coalizão saudita e o governo de Damasco não seria estranha. Os sauditas colaborariam financeiramente com a reconstrução síria; o governo sírio se distanciaria do Irã e de seus planos econômicos, se livrando também do proxy Hezbollah; o Irã ficaria mais isolado, o que atende ao interesse saudita; por cima disso tudo, os EUA ganham um intermediador na situação e retomam poder de barganha com a Rússia. Outros atores extra-regionais, como a China, a Índia e a Europa também olham com interesse para o futuro da Síria.  

Costumo brincar com alunos e ouvintes que o Oriente Médio fascina pois, quanto mais você o estuda, menos você o conhece. Então, no prospecto especulado anteriormente, uma incógnita ainda resta: e a Turquia? Isso sem falar nas dezenas de outras incógnitas pela região. A questão palestina, o Hamas em Gaza, a sucessão de Abbas na Autoridade Nacional, o futuro dos curdos, uma retomada das hostilidades entre armênios e azeris, as diversas facções internas ao Líbano, todas essas são perguntas válidas. O fato é, em uma situação geopolítica com três atores, dois se unirão momentaneamente para isolar o terceiro; será o Irã?

Qual caminho para Israel?

Especificamente no Oriente Médio, Israel passa por três momentos de interesse no ano de 2019. Primeiro, no dia 9 de abril, teremos eleições para um novo parlamento do país. O Knesset foi dissolvido ao fim de 2018, com a fragilidade da atual coalizão de governo, em tema já tratado aqui. O eleitorado pode dar mais respaldo a figura de Netanyahu, envolto em um escândalo de corrupção; pode dar uma guinada ainda mais a direita, com os partidos nacionalistas e ortodoxos; ou trazer o governo ao centro e a centro-esquerda, votando no partido trabalhista.

Leia também: Investigado, Netanyahu pode se tornar o primeiro-ministro que ficou mais tempo no cargo em Israel

Independente do resultado das urnas, as outras duas políticas serão mantidas. Uma, a de expandir o reconhecimento internacional de Jerusalém una e indivisível como capital de Israel, o que inclui a aproximação com o novo governo brasileiro. A segunda é a de uma aproximação com países árabes, como na recém-visita de Netanyahu ao Omã. Israel articula com os vizinhos árabes uma política anti-Irã. O efeito colateral positivo desse confronto é a criação de uma série de negociações discretas entre israelenses e árabes. Caso chegue-se ao ponto da formalização das relações entre Israel e os países do Golfo Pérsico, teremos uma grande vitória para o governo israelense.

Talibã reconhecido no Afeganistão?

Fora do Oriente Médio geográfico, mas inserido no Oriente Médio geopolítico, ou Grande Oriente Médio, o Afeganistão continua sua trajetória de criação de um Estado funcional e que cubra todo seu território. Como passo para o final do conflito, cuja fase atual iniciou-se na presente década, mas remonta à década de 1970, as atuais negociações incluem o Talibã, o principal grupo islamista do país. Essa medida é defendida pela Rússia é considerada temerária por outros atores. O fato é que a violência jihadista e a sectária deixaram milhares de mortos no Afeganistão, especialmente em seu período eleitoral.

A Índia como potência

A Índia não está mais no processo de se tornar uma potência mundial. Ela é uma potência mundial. Economia de peso, projeção de força, importância no comércio e no fluxo de investimentos, laços e interesses geopolíticos. Tudo isso caminha com os desafios demográficos do país, como o combate à miséria e questões de infraestrutura, como a falta de saneamento básico em zonas rurais. É nesse papel de potência que a Índia realizará uma de suas mais disputadas eleições em sua história como a maior democracia do mundo, slogan utilizado pelo governo em referência ao número de eleitores. E também ao fato de que a Índia, desde sua fundação, nunca deixou de ser uma democracia.

De um lado, Narendra Modi, premiê desde 2014, e seu Partido Popular (BJP), que une nacionalismo hindu ao desenvolvimentismo. Modi é popular e seu partido governa com tranquilidade, com 282 das 543 cadeiras do parlamento. Nos últimos meses, entretanto, seu partido sofreu derrotas regionais e o nacionalismo hindu tem sido posto em xeque em algumas regiões, devido a episódios de violência; por exemplo, as “milícias das vacas”, grupos de hindus que agridem e até lincham pessoas de outras religiões, como muçulmanos, para evitar o abate de vacas.

Contra ele vem o mais tradicional partido indiano, o Congresso Nacional, de Gandhi e de Nehru, duas das mais importantes figuras da História indiana. Liderado por Rahul Gandhi, neto de Indira Gandhi e bisneto de Jawaharlal Nehru, o INC tem retomado sua força e as últimas pesquisas apontam para um parlamento travado, sem maioria clara, tornando imperativa a formação de coalizões com os partidos menores regionais, como o bengali. Falando em partidos regionais, outras eleições regionais ocorrerão no país, como nas disputadas regiões da Caxemira. Tais decisões também devem contribuir para o equilíbrio de forças da federação da Índia.

A guerra comercial e a China

Quando se pensa em eleições regionais, dificilmente pensa-se na China. Afinal, trata-se de um gigante demográfico e territorial, com um sistema político autoritário, centralizado e unipartidário. Em 2019, entretanto, uma pequena eleição pode sacudir o gigante. Cerca de três milhões de cidadãos de Hong Kong poderão votar para 452 assentos nos 18 conselhos distritais. Os partidos se dividem em dois eixos básicos: pró-Pequim e pró-autonomia, chamados de democráticos. O segundo grupo tem crescido, embora vários cargos sejam por apontamento direto de Pequim.

Recentemente, os jovens que se recusaram a jurar lealdade ao governo central e a chamada Revolução dos Guarda-chuvas mostraram como Pequim tem problemas em exercer total controle de Hong Kong. Acusações de manipulação da formação dos distritos eleitorais já correm soltas e as pesquisas são pouco transparentes. Espera-se uma nova onda de protestos contra o governo central durante ou na véspera das eleições, em novembro.

Até lá, a China certamente estará no noticiário, mas por assuntos já conhecidos, e não menos importantes. A guerra comercial e tarifária com os EUA, que é de interesse direto do Brasil; a expansão de investimentos e empréstimos chineses pela África e pela América Latina; as demonstrações de força pelo governo chinês, realizando manobras nas disputadas e importantíssimas águas do Mar do Sul da China. Todos elementos da trajetória mundial rumo ao G2, uma ordem bipolar entre EUA e a China.  

A península coreana

No Extremo Oriente o otimismo não estará na China, mas na península coreana, onde os dois governos das repúblicas da Coreia continuam seu processo de integração. Recentemente as comunicações ferroviárias diretas entre os dois países foram retomadas, assim como o desmonte de instalações militares na fronteira. Para 2019, os dois governos prometem manter um contato ainda maior, com uma possível inédita visita de Kim Jong-un à Seul. Seria a primeira vez de um líder do norte na capital do sul e um ótimo termômetro da reação popular. Junto a tudo isso, deve-se acompanhar as negociações nucleares entre o norte e os EUA.

Eleições na Indonésia

A Indonésia e uma das economias que mais crescem no mundo. Seu crescimento per capita eclipsa até mesmo alguns dos “milagres” dos últimos anos. Até 2030, a Indonésia será uma das oito maiores economias do mundo, possivelmente passando o Brasil. As eleições no país com a maior população muçulmana no mundo não podem passar despercebidas, embora não prometam lá grandes emoções.

O atual presidente Joko Widodo, conhecido como Jokowi, é favoritíssimo. Figura popular, o primeiro presidente que não veio das castas militares teve um governo de sucesso. Expandiu a infraestrutura do país, aumentou a integração entre as ilhas do arquipélago da Indonésia, enquanto adotou políticas sociais nas áreas de saúde e de saneamento. Conhecido internacionalmente por ser fã de heavy metal, a única incógnita e o tamanho de seu partido na câmara de deputados do país.

Novos e velhos caminhos na América Latina

Outubro de 2019 consagrará ou mudará três governos na vizinhança brasileira. No mesmo dia 27 teremos eleições para presidente e parlamentares no Uruguai e na Argentina. No paisito os candidatos ainda não são conhecidos, já que os partidos realizam primárias em julho. Na Argentina, Sergio Massa quer capitalizar para si tanto os fracassos de Macri quanto as polêmicas judiciais de Cristina Kirchner, apresentando-se como uma via moderada e alternativa. Finalmente, a Bolívia escolherá se quer mais alguns anos de Evo Morales; os bolivianos também votarão para o Congresso Nacional.

No restante da vizinhança, o principal desafio é a crise migratória de venezuelanos, causada pelo colapso da economia e pelo governo cada vez mais autoritário de Maduro. Em 2019, Maduro toma posse em um novo mandato na Venezuela, após eleições cuja legitimidade foi amplamente contestada. O governo chileno, de direita liberal de Piñera, e o governo colombiano, da direita conservadora de Ivan Duque, já sinalizaram que não reconhecerão  o governo venezuelano após a posse.

Da América Central e do Caribe vêm duas votações interessantes. Em Cuba, no dia 24 de Fevereiro, a população irá votar em um referendo que aprovará ou não a nova Constituição do país; alguns pontos já foram votados, como a questão do casamento igualitário, rejeitada pela população. A nova Carta Magna cubana abre ainda mais a economia, amplia direitos de propriedade e busca reformar o Estado cubano.

Já em abril a população do Belize votará  em referendo se reconhece, ou não, a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ) para a resolução da questão fronteiriça com a Guatemala. Breve contextualização: o Belize, antiga Guatemala Britânica, era um pedaço da república de colonização espanhola que foi ocupado e colonizado pelos ingleses. O território de Belize é reivindicado pelo governo guatemalteco; para evitar uma anexação à força, os britânicos mantiveram tropas no território mesmo após a independência.

Um acordo entre os dois países mesoamericanos, assinado em 2008, estipulou que a CIJ resolveria a disputa territorial e consolidaria as fronteiras entre os dois países. O texto do acordo estipula que ele precisa ser aceito pelas populações após dez anos; a população guatemalteca já o aprovou, restando o referendo em Belize. Por um lado, aceitar o julgamento da CIJ pode significar a perda de territórios; por outro, finalmente normalizaria as relações regionais após quase dois séculos.

Uma nova política externa para o Brasil?

A partir do dia primeiro de janeiro de 2019 o Brasil terá um novo governo, com a posse de Jair Bolsonaro. Seu anunciado Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já sinalizou algumas mudanças de rumo para o Brasil. O mundo, essa coluna e os leitores observarão atentos. Quais os desejos, no que se baseiam, o que podem significar de ganhos e de derrotas. Também se tais mudanças poderão ser implementadas, ou se interesses de setores da sociedade falarão mais alto. Essa será uma das principais novidades para 2019.

Um cisne negro

365 dias, mais de sete bilhões de pessoas, duas centenas de Estados nacionais. Podemos esperar também o imprevisível. Os Cisnes Negros. A expressão, consagrada pelo acadêmico Nassim Nicholas Taleb, refere-se aos eventos não computáveis, imprevisíveis, de alta proporção e grande repercussão. Um grande ataque terrorista, uma profunda crise econômica, um crash de uma bolsa de valores, um aperto de mãos entre dois velhos inimigos, um golpe de Estado, um assassinato, até mesmo um acidente. Ninguém em 31 de Dezembro de 2000, ao prospectar o ano vindouro, imaginava um Onze de Setembro. O que 2019 guarda?

  

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