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Arquivo Gazeta do Povo
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Pesquisas eleitorais não fazem mais do que retratar o momento e apontar tendências de futuro. Considerando as últimas, é possível afirmar existir mais do que uma tendência, mas uma quase certeza: o vencedor será Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad. E, com qualquer dos dois, significará uma coisa só: o fim da Nova República.

Se não é uma lei, é uma constante. Desde a instauração da República vivemos ciclos políticos que duram de 20 a 30 anos no país. Passados 30 anos do golpe inaugural, veio Getúlio Vargas colocando ponto final na que ficou sendo chamada de República Velha e dando início ao seu ciclo. Do fim do Estado Novo ao regime militar foram 20 anos. Outros 20 e, com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, teve início a Nova República que agora está no seu ocaso após 30 anos.

Por curiosidade fui conferir as notícias de 1985. Tancredo, em seu discurso quando anunciado o resultado, disse: “Se todos quisermos, dizia-nos, há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la!” Não fizemos, seu Tancredo, e pela nossa taxa de homicídios vivemos numa guerra civil. Da década de 80 para cá essa taxa cresceu mais de 120%, e contando.

Minha curiosidade maior foi saber como o PT se comportou naquele momento; afinal, se é o fim da Nova República a culpa é mais dele e de seu irmão siamês, o PSDB. Segundo manchete do então Jornal da Tarde de fevereiro daquele ano de 1985, “A CUT e o PT declaram guerra a Tancredo”. Como diria Macunaíma: ai, que preguiça. Mas ao menos não se pode acusar o PT de incoerente. De lá para cá nunca aceitaram governo nenhum que não fosse o seu. Nem candidato, só lembrar o que fizeram com Ciro Gomes na atual campanha.

Aliás, nem governo, nem candidato de outro partido, nem a própria Constituição Federal de 1988, cuja feitura foi o segundo ato mais importante da Nova República, foi aceita pelo PT. Os constituintes petistas (16, dentre eles Lula) se recusaram a participar da homologação coletiva da Constituição votada. Queriam porque queriam impor o seu modelo de Constituição. Lula, em 2013, chegou a fazer um mea culpa, dizendo: “Se o nosso regimento e a nossa Constituição fossem aprovados, certamente o país seria ingovernável, porque nós éramos muito duros na queda, muito exigentes”.

Sabemos bem como seria, Lula, afinal, hoje o PT quer algo idêntico, tentando impor uma recomendação de dois membros de um subcomitê da ONU como se valesse mais que a Constituição Federal. Por isso, concordo contigo, meu caro presidiário: o país seria ingovernável como será se o eleito for seu representante de porta de cadeia que promete lhe indultar e, com isso, subverter de vez toda a ordem constitucional e democrática. Um novo ciclo político começará no qual os petistas vitoriosos não precisarão mais fingir que respeitam nada nem ninguém e terão suposto respaldo popular para impor o seu “modelo de Constituição”.

A natureza totalitária do petismo não é novidade, mas para quem quiser entendê-la um pouquinho melhor recomendo o livro organizado por José Giusti Tavares intitulado Totalitarismo Tardio – o caso do PT, publicado no já distante ano 2000, antes da ascensão do partido ao poder. Essa natureza totalitária sempre se revelou no decorrer da história da Nova República, como, por exemplo, depois da invenção da reeleição, quando perderam pela segunda vez para FHC. Nem bem o segundo governo havia começado e o PT já foi pedir seu impeachment, sem base alguma, salvo a mesma de sempre, qual seja, se não é o PT no poder, não pode ser mais ninguém, sendo sempre contra qualquer coisa que se proponha. Foram contra o Plano Real. Foram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também foram contra o Bolsa Escola – que, depois que assumiram o poder, transformaram em Bolsa Família e passaram a reinventar a história como se tivessem sido os pais do programa.

O terceiro ato da Nova República foi o impeachment de Collor e a conquista consequente do PT como sendo o baluarte da moral e das virtudes políticas, uma mentira que se manteve por bastante tempo unicamente porque demoraram a conquistar o poder. Foi só chegar lá que o partido criou o maior esquema de corrupção da história brasileira, quebrando a economia do país e sufocando a política por deslegitimar suas instituições democráticas, uma vez que nega a realidade mais do que comprovada do seu banditismo, considerando a condenação de Lula (assim como o impeachment de Dilma) como um “golpe” e o governo atual como ilegítimo, o que é se colocar, por óbvio, claramente fora da ordem democrática estabelecida pela Constituição da Nova República.

Com esta postura e uma eventual vitória na eleição, o PT terá o que lhe faltou em 1988 para impor ao país sua ordem política: maioria aparente. No citado mea culpa de Lula há outra fala sua que ganha hoje nova dimensão: “Nós votamos contra porque queríamos algo mais radical, uma coisa mais forte, que não foi possível porque só tínhamos 16 deputados.” Com 16 deputados não dava, mas com uma vitória em eleição majoritária para presidente… As cenas dos primeiros capítulos de uma eventual vitória petista já foram dados por José Dirceu em hangout recente com outros militantes, na típica novilíngua revolucionária, invertendo a realidade e fazendo do PT o defensor da Constituição e não quem a está rasgando faz tempo:

Se a Nova República estivesse saudável, suas instituições teriam reagido aos ataques revolucionários petistas com o vigor e rigor que merecem, mas o que se revelou com o petrolão foi a entranha putrefata dessa Nova República em que o difícil foi – e é – encontrar quem não fizesse parte do esquema ou um dia não tivesse feito algo semelhante, ainda que em escala muito menor que os petistas. A insatisfação popular contra o establishment que já vinha desde as manifestações de rua de 2013 tornou-se indignação com o início da Operação Lava Jato, em 2014, com milhões de pessoas indo às ruas deixando muito claro que sua revolta, se tinha (e ainda tem) o PT como seu maior inimigo, era contra todo o establishment político, a própria Nova República, pois qualquer participação de partidos e políticos na condução dos protestos foi rechaçada.

Por outro lado, tais protestos não tinham pauta de reivindicação salvo a unanimidade do grito “Fora PT”. O surgimento e crescimento da figura de Jair Bolsonaro como antítese maior do PT nasceu da combinação de não sabermos o que fazer daqui por diante com a repulsa mais do que justificada à tentativa de criação de uma segunda realidade pela narrativa petista que acusa os outros de fazerem o que o partido faz, somada à cumplicidade generalizada do establishment político com o estado de corrupção endêmica – inclusive com ajudas nada tímidas de ministros do STF, como a absurda decisão de Ricardo Lewandowski que “fatiou” o resultado do impeachment, permitindo à ex-presidente manter seus direitos políticos em gritante afronta à literalidade do texto constitucional.

Embora com mandato parlamentar durante toda a Nova República, Jair Bolsonaro sempre foi, dentro dela, uma excrescência do ciclo anterior. Excrescência permitida, às vezes absorvida, mas sempre isolada e contida. Independentemente de suas qualidades, o que lhe fortaleceu foi o fato inegável de que jamais participou de nenhum desses esquemas de corrupção. Com o vácuo na oposição antes capitaneada de modo pusilânime pelos tucanos, arrastados para a lama do petrolão, Jair Bolsonaro foi se tornando simbolicamente o líder de uma oposição real não apenas ao petismo reinante, mas ao próprio espírito dominante no país desde a chegada ao poder do PSDB. Tanto assim que FHC já disse que apoia Haddad se forem os dois ao segundo turno.

Some-se a isso outro fato inegável: o de sua única pauta política relevante, a da segurança pública, ser o tema mais urgente de todos no momento, e que seu discurso nesse ponto é o único a ser claro, direto, sincero e liberto do cativeiro mental do politicamente correto, e pode-se compreender perfeitamente a força que adquiriu. Diante desse quadro, estranho seria se Jair Bolsonaro não representasse boa parte da população, como as pesquisas vêm apontando. Se a imprensa não estivesse ideologizada quase por completo, teríamos a óbvia cobertura disso, mas tudo que há é histeria com a possibilidade da sua vitória. São incapazes de olhar e analisar Jair Bolsonaro pelo que representa a quem irá nele votar, se refugiando no gulag mental que só consegue associá-lo ao regime militar.

Nem sequer a novidade impressionante que é sua campanha eleitoral vem sendo noticiada e analisada como deveria para um candidato em primeiro lugar nas pesquisas. Está inteiramente descentralizada, com apoio popular espontâneo sem igual na história da Nova República, quase nenhum apoio formal de outros partidos, com uso ínfimo de recursos, de marketing, de tempo de televisão e rádio. Ainda que perca, já é um fenômeno a ser no mínimo estudado, não censurado e tratado como algo intolerável, coisa que faz somente quem prostituiu sua inteligência à ideologia.

Por consequência, análises sobre o que seria um eventual governo Bolsonaro são mínimas e, quando feitas, não vão além de “lembrar” que ele terá de negociar com o Congresso para conseguir colocar em prática suas propostas. Tratam-no como um ignorante que desconheceria como o jogo é jogado, como se décadas atuando como parlamentar nada lhe tivessem ensinado sobre isso. E, diante de sua promessa de recusar esse jogo político e estabelecê-lo em novas bases, o que é justamente o resultado do fim da Nova República, a única coisa que conseguem fazer é duvidar de sua capacidade de mudar algo. No fim das contas, vendem a ideia de que somente jogando o jogo corrupto seria possível governar o país, o que é, no fim das contas, passar um atestado de cumplicidade “a tudo que está aí”.

Por isso mesmo a força de Jair Bolsonaro vem sendo alimentada muito mais pela reação do establishment político e midiático, mais do que desacreditados, do que pelo próprio Bolsonaro. Quanto mais políticos e pseudointelectuais da mídia batem em Bolsonaro, mais sua credibilidade cresce. Nesse contexto, a facada recebida não tem como ser dissociada desses ataques, parecendo mais um seu efeito que não bastou para despertar os intolerantes de sua bolha moral. Depois da facada na barriga vieram as facadas imorais do “ele não” e a patrulha contra quem declara seu voto nele. Tudo isso só faz dar a Jair Bolsonaro uma dimensão simbólica muito maior do que se imagina. Se vencer, o simples fato de ter vencido representará o fim da Nova República, independentemente do que venha a fazer.

Mas constatar o fim da Nova República com a vitória de Bolsonaro não significa dizer que o que virá será algo melhor. Até porque, infelizmente, muito pouco se discute sobre como seria um eventual governo seu. Antibolsonaristas não tocam nesse assunto porque recusam a realidade, preferindo insistir em considerá-lo inaceitável, o que é uma postura antidemocrática explícita a suplicar, implicitamente, pela derrubada futura do novo governo que ainda nem foi eleito. Por isso mesmo Bolsonaro, se eleito, estará na mesma situação de Tancredo Neves em 1985, que mesmo depois da vitória temia que o resultado não fosse aceito pelos militares e, por isso, se recusou a divulgar e tratar a doença que lhe ceifaria a vida antes da posse. Ele dizia: “No Brasil, não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse”. Jair Bolsonaro terá de ganhar sua posse todos os dias caso eleito, mesmo depois de empossado.

Por outro lado, os bolsonaristas tampouco parecem muito interessados em se ocupar em saber como seria um governo Bolsonaro, seja porque nele votarão não pelo futuro, mas por não verem outra opção e, nesse caso, lhes basta o voto para impedir o retorno do PT e da esquerda ao poder, seja porque estão enlouquecidos de esperança. A esperança, que em outra frase famosa de Tancredo Neves, “é o único patrimônio dos deserdados, e é a ela que recorrem as nações, ao ressurgirem dos desastres históricos”.

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