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Estudantes fazem manifestação e pixam prédio do ministério da Educação. Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Estudantes fazem manifestação e pixam prédio do ministério da Educação. Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil| Foto:

Estou cada vez mais convencido de que a essa altura do campeonato nada poderia ser melhor para educação do país do que a completa extinção do Ministério da Educação. Não precisa ser de uma vez, como num ato revolucionário de autodeterminação do povo contra o establishment. Nada de fazer tábula rasa da história e das instituições; contento-me se for aos poucos, mas desde que o resultado seja um só: o fim do MEC.

Não, não se trata de uma ideia mirabolante — e depois de assistir o fiasco e a queda de Ricardo Vélez Rodríguez, não dá para depositar muitas expectativas de que a solução do ensino venha do Governo Federal. Não sei pra vocês, mas pra mim está óbvio que a engrenagem do Ministério há muito tempo se transformou em cabide de empregos para ideólogos e burocratas fazerem suas guerrinhas de narrativas contra inimigos imaginários.

Não me leve a mal, caro leitor, não confesso essas coisas por razões ideológicas ou por apego a verdades absolutas, sou um cara de convicções modestas e advogo o fim do MEC por causa de um incondicional respeito à coisa pública e ao ensino de qualidade. Trabalho com educação há pelo menos vinte anos, portanto não falo a partir de abstrações. Tenho o meu lugar de fala. Como dizem os mais veteranos, minha rotina é tablado, giz, saliva e lousa. Há tempo suficiente lido com angústias de alunos, tediosas reuniões pedagógicas, cobranças de diretores e reclamações de pais. Não exijo troféu, reconhecimento público, honrarias, uma avenida com meu nome. Oh céus, não estou me fazendo de vítima. Gosto de dar aulas e por isso desejo lembrar que a experiência de viver diariamente a educação brasileira não é pra qualquer estômago.

Voltando ao meu platônico desejo de extinção do Ministério da Educação, gostaria de destacar o seguinte: se fosse por razões ideológicas, nada como deter o monopólio do poder coercitivo e centralizado da máquina burocrático do Estado para fazer valer minhas mirabolantes ideias educacionais. Se todo educador já deve ter sonhado que era um John Keating em Sociedade dos Poetas Mortos, o sonho do ideólogo consiste em ter um MEC para chamar de seu — o novo Ministro Abraham Weintraub que o diga, ele é do tipo que vê comunistas toda vez que chuta uma lata. Segundo declarações em palestras sobre “Marxismo e economia”, corrobora a tese delirante de que “comunismo é um vírus que vai se alastrando e se adaptando”. Logo, pergunta, “como a gente ganha essa batalha?” E responde: “ganhando a juventude”. Em em nome da redenção dos comunistas, claro.

Em termos puramente administrativos, o MEC é um elefante solto na sala de cristais. Nascido na era Vargas de 1930, é o resquício da sedutora ideia de ter de centralizar tudo na mão do Estado. A diferença é que na época de Vargas não tinha Brasília. O próprio site oficial MEC reconhece: “Em quase 80 anos, o MEC busca promover ensino de qualidade para nosso país. Com o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação, o MEC vem reforçar uma visão sistêmica da educação”. Como não somos uma Dinamarca, que curiosamente tem a mesma área do estado do Rio de Janeiro, o resultado dessa centralização sistêmica — que no fundo significa mais poder ao Estado — só poderia ser catastrófico.

Não deve ser fácil descer do palanque e ver que o ideal de make brazil great again é sonho de campanha de todo político. Porém, nada como dar de cara com realidade: as dimensões continentais do Brasil pesam na balança — isso pra não falar da diversidade cultural brasileira, da pluralidade de interesses, da história sofrida e da condição social de cada brasileiro. Como disse o colunista Gustavo Nogy em sua estreia no Última Análise: temos vários países dentro de um país e não se pode sobrepor a ideologia a problemas concretos ligados à educação. A idiossincrática experiência da diversidade brasileira não é uma fantasia quixotesca: o Brasil é enorme, literalmente; o ministério é enorme; e a educação continua nanica.

Não há como fazer um país crescer se o ensino estiver entre os piores nos rankings internacionais de educação. E olha que nem estou falando aqui de restaurar alta cultura, salvar a civilização ocidental, combater o globalismo, ser a vanguarda de um novo projeto civilizacional contra o comunismo, resgatar a filosofia grega, o direito romano e a moral judaico-cristã. Refiro-me a uma habilidade bem mais humilde: conseguir resolver a tabuada do 2 e do 5 ou simplesmente ler e entender uma bula de aspirina. O caso é sério. Alunos não sabem escrever, não sabem ler, não sabem ouvir, não sabem falar. O mais triste não é constatar que Joãozinho se formará sem saber ler, o mais triste é saber que muita gente realmente acredita que cabe ao MEC resolver isso lá de Brasília.

Vou contar uma experiência. Certa vez, ao corrigir a prova de um aluno de escola pública do 3º ano do ensino médio, constatei, com clareza e distinção cartesiana, que ele não sabia escrever. Não se tratava de um caso moderado de analfabetismo funcional, mas de um quadro severo de analfabetismo, de juntar lé com cré. No entanto, todos os anos esse aluno passou com notas suficientes para progredir para o próximo ano letivo. Desde garoto estudou na mesma escola. Frequentou, portanto, as aulas e passou por todos os exames. Como é possível não saber escrever em um nível tão lastimável de deficiência se foi assistido por coordenadores pedagógicos, professores, diretores, familiares e ainda teve a chancela no MEC para virar estatística? Tem alguma coisa profundamente errada aí.

Na época, prestei bem atenção nesse aluno e notei o seguinte: apesar de seu analfabetismo, ele era um rapaz cheio de ideias sobre sua própria condição social e tinha plena consciência de que o governo era obrigado a fornecer condições para ele ir à escola. Assíduo nas aulas, não havia justificava para ser analfabeto. Tinha celular com acesso à internet, frequentava o laboratório de informática da escola, tinha perfil nas redes sociais. Enfim, acreditava que todas as condições materiais necessárias para ele se manter ali foram dadas pela mágica do “é meu direito”. Mesmo assim, ele continuava incapaz de resolver problemas matemáticos elementares, de ler e escrever coisas básicas e desconhecia rudimentos do método científico. Por quê?

Não direi que a culpa é toda do MEC, pois como professor, reconheço minha parcela de responsabilidade com a catastrófica educação que esse garoto recebeu. Mas não dá para negar que se trata de um sinal de alerta saber que o Ministério de Educação tem 80 anos e Joãozinho, que frequentou a escola a vida inteira, não sabe ler.

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