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Adam Smith
Adam Smith| Foto:

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

 

1 Fale sobre sua formação intelectual e suas referências.

Sou de formação beneditina.  Fiz o primeiro e segundo graus no Colégio São Bento do Rio de Janeiro, onde fiquei por 10 anos, até sair para a faculdade de administração da FGV/RJ.  Acredito que a escola me deu uma ótima formação.  Lá, ainda no começo da adolescência, tive contato com escritores diversos, desde Homero até Jorge Amado.  Mais tarde, me interessei por economia e filosofia, embora, por causa do trabalho, nunca tenha tido oportunidade de me aprofundar nesses estudos como gostaria.  Minhas influências filosóficas mais importantes são Epicuro (os olavistas que não me escutem), Locke, Hume, Smith, Popper, Nozick, Jefferson, Voltaire, Montesquieu, Benjamin Constant (o Suíço), Hayek, Huemer e Sowell. Na economia, reverencio Adam Smith acima de todos, mas também J.B Say, Bastiat, Menger, Schumpeter, Mises, Hayek, Milton Friedman, Don Boudreaux. Na literatura, meus expoentes são Dostoievski, Swift, Orwell, Huxley, Azimov, Twain, Machado e Nogy*, entre outros menos cotados. J  (*Nota do entrevistador: não é propina.)

2 Liberal-conservador – um oximoro?

Sim, oximoro total.  E eu apanho muito por defender isso (risos), porque a nova direita adora se auto-intitular ‘liberal-conservadora’ – ou ‘liberal na economia e conservadora nos costumes’, como eles gostam de dizer.  A confusão a meu ver acontece porque esses conceitos no Brasil ainda não estão bem definidos e assentados.  Pelo menos em tese, todo conservador – clássico! – seria liberal na economia, logo, o dito liberal-conservador é o conservador clássico.

O que diferencia um liberal de um conservador é a quantidade de poder coercitivo que cada um está disposto a conceder ao Estado, além daquela necessária para a manutenção da ordem e da defesa coletiva dos direitos individuais fundamentais à vida, liberdade e propriedade.

Assim, os liberais tendem a admitir como funções do Estado apenas a segurança pública, a defesa contra inimigos externos, a justiça, a administração do espaço público e, no limite, um subsídio à educação e à saúde dos mais necessitados.  Os conservadores, por sua vez, não raro admitem, além dessas, a intromissão do governo em assuntos de natureza moral, ainda que esses assuntos não gerem conseqüência para mais ninguém, além do próprio agente.  Portanto, o que determina se alguém é liberal ou conservador não são os valores morais segundo os quais essa pessoa decidiu viver a sua vida, mas a sua visão sobre os limites dos poderes do Estado para impor esses valores aos demais.

3 Na sua opinião, onde se situa o liberalismo: direita, esquerda ou nenhuma das alternativas?

Nem direita, nem esquerda, mas tampouco no centro (risos). A diferença marcante entre o liberalismo e as demais filosofias políticas, como mencionei acima, está na quantidade de autoridade que o governo deve ter sobre os assuntos privados. Os esquerdistas desejam que o governo promova o bem comum, mais especificamente aquilo que eles consideram bom, incluindo cuidar da saúde, educar as crianças, promover ações afirmativas e, principalmente, distribuir a renda de forma mais “justa”, de acordo com os critérios deles de justiça, claro.  Para tornar tudo isso possível, esperam que o governo cobre impostos progressivos das empresas e dos mais ricos, além de regular os negócios e o comportamento das pessoas, a fim de que elas não cometam a heresia de agirem em desacordo com aquilo que os iluminados consideram ideal, geralmente endossado pelos ditos ‘especialistas’.

Já os conservadores querem que o governo evite o mal, a degeneração dos valores e dos costumes, enfim, o comportamento imoral, ainda que este comportamento não traga nenhum dano ou perigo para terceiros e afete exclusivamente os próprios agentes. Embora eles gostem de dizer que preferem um governo limitado, geralmente não resistem à tentação de implantar programas governamentais e editar leis que promovam a sua agenda moral – vide as questões envolvendo drogas, casamento gay, eutanásia, prostituição, venda de órgãos e outras.

Assim, tanto esquerdistas quanto conservadores acreditam, cada um a seu modo, ser missão dos governos tornar o mundo melhor e fornecer uma liderança moral.  Enfim, proteger as pessoas de si mesmas, seja em relação a sua saúde ou sua moralidade.

Os liberais, por outro lado, acreditam que a caridade é voluntária, a moral é pessoal (no sentido de que não deve ser legislada) e só o dano a terceiros deve ser considerado ilegal.  Para os liberais, em resumo, o auto-governo é um direito inalienável.

4 Você assume um liberalismo dito clássico, que aceita o Estado, conquanto mínimo, ou acredita na possibilidade de outras configurações ainda mais radicais?

Sonho com algo mais radical. (risos). Antes que me acusem de utopista porque anseio por um modo de organização social sem governo, esclareço que imagino um eventual ‘anarcocapitalismo’ não como um modelo imposto de cima para baixo, nem instalado via revolução ou a partir de qualquer elucubração política, filosófica ou econômica concebida por iluminados de plantão – mas como resultado da evolução natural da civilização humana.

E, por favor, não me venham cobrar detalhes sobre esse modelo, pois não tenho a menor idéia de como ele seria estabelecido e operado na prática. Simplesmente, não sei se será possível ou não, como desconheço vários outros desenvolvimentos que podem ou não virar realidade num futuro distante.  Utopia? Talvez, mas na virada do primeiro para o segundo milênio, por exemplo, em plena Idade Média, dificilmente alguém terá imaginado que mil anos depois a escravidão estivesse banida do mundo e estigmatizada por todos, muito menos que o homem pudesse chegar à lua.  Alguém que tivesse sugerido algo assim na época, certamente seria tachado de lunático.

Acredito que tal modelo, se um dia vingar, aparecerá em sociedades moral, econômica e civicamente muito avançadas, confiáveis e cooperativas.  Mas não tenho nenhuma esperança de vê-lo instalado onde quer que seja. Se um dia acontecer, será muitas gerações à minha frente. Portanto, é tudo muito mais uma visão idealista do que pragmática. Não posso admitir que os homens serão, para sempre, reféns do Leviatã.

5 O Brasil vive um momento propício à popularização das ideias liberais? Há motivos para otimismo, nesse sentido?

Acredito que sim, mas não pelos motivos que muitos imaginam.

Historicamente, o brasileiro, pelo menos depois da República, nunca demonstrou muito apreço pela liberdade.  Ao contrário, sempre preferiu a tutela de governos, fossem democráticos ou ditatoriais.  Mesmo as nossas elites jamais demonstraram muito entusiasmo para brigar pela liberdade, contra o intervencionismo e o paternalismo estatal, preferindo quase sempre o caminho fácil da adulação aos donos do poder. O capitalismo de compadrio é atávico por aqui.

O que mudou, então? Muito mais do que a disseminação das ideias certas, acredito que a boa receptividade dos brasileiros à mensagem liberal é consequência dos péssimos governos petistas dos últimos anos (extremamente intervencionistas, estatistas e paternalistas, mas também absurdamente corruptos e incompetentes).  Ajudou também a malfadada experiência bolivariana da Venezuela, a visão de um povo desesperado por conta dos erros de seu governo.

As pessoas começaram então a finalmente entender que os modelos socialista e social democrata talvez não funcionem assim tão bem como alardeado pela esquerda.  Resumindo: devemos agradecer muito mais aos malfadados governos de Lula e Dilma pela mudança de mentalidade da população e pela maior receptividade às ideias liberais do que a quaisquer ideólogos ou políticos liberais ou conservadores, ainda que alguns mais vaidosos insistam em creditar para si esse mérito.

Além dos desastrados petistas, não nos esqueçamos da enorme ajuda das novas tecnologias, que democratizaram de maneira absurda a disseminação da informação, antes monopolizada pela imprensa, pelas universidades e pelo mundo das artes, todas elas instituições cooptadas pelo esquerdismo desde longa data.  Dilma jamais sofreria o impeachment e Bolsonaro nunca teria sido eleito sem a internet, os smartphones, o WhatsApp e o Facebook.

6 Como tem visto os primeiros dias de governo (considere, por favor, o histórico dos protagonistas e a campanha) e o que eles prenunciam dos muitos dias seguintes?

Tudo muito confuso até agora.  O governo foi formado a partir de muita gente sem qualquer experiência anterior de governo.  Então, era de se esperar algum desacerto no início.  O que não era esperado é essa intensa disputa de poder no interior do núcleo próximo do presidente, que denota, no mínimo, a falta de uma liderança firme de Bolsonaro.

O que também comprometeu muito esse início de governo foram as acusações contra Flávio Bolsonaro, por conta do laranjal plantado em seu gabinete na ALERJ.  Flávio deveria afastar-se durante as investigações, até para tirar o problema do colo de seu pai.  Insistir na tese da perseguição ou do complô não vai adiantar.  Tampouco ficar brigando eternamente com a imprensa é uma boa estratégia.  O “garoto”, afinal, é filho do presidente, que foi eleito batendo no peito e se proclamando um arauto da ética na política.

Em termos práticos, o futuro do governo (e do país) está intimamente ligado ao sucesso ou fracasso das reformas econômicas que serão propostas pela equipe do Paulo Guedes.  E é preciso ter pressa com essas reformas, pois o ativo político do presidente eleito não durará pra sempre.  Com o passar do tempo, as coisas vão ficando cada vez mais complicadas no Congresso.  Se não passarem uma reforma previdenciária profunda nos primeiros seis meses, que dê alguma tranquilidade orçamentária nos anos vindouros, o governo ficará restrito a discutir temas de menor importância, como globalismo ou ideologia de gênero, porque, sem dinheiro, nem mesmo a questão da segurança pública terá como ser equacionada, por mais que Moro seja competente e bem intencionado.

Em resumo, embora a turma ‘neocon’ não goste de ouvir isso e pretenda colocar em destaque as suas agendas, aquela frase de James Carville nunca foi tão atual. No Brasil de hoje, o que importa “é a economia, estúpido”!  Logo depois, vêm segurança pública e educação. Todo o resto vem a reboque.  Esperemos que o presidente consiga entender o que é realmente importante e o que não é.  E coragem para propor as reformas profundas e necessárias para colocar o país novamente na trilha do desenvolvimento.

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