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Cena do seriado "Lost", de JJ Abrams, Damon Lindelof e Jeffrey Lieber
Cena do seriado "Lost", de JJ Abrams, Damon Lindelof e Jeffrey Lieber| Foto:

Manda nude?

Definitivamente, essas eleições se transformaram numa espécie de porn revenge do eleitorado. É tanta troca de fotos, vídeos, memes, notícias falsas, notícias até verdadeiras e cartinhas comprometedoras que, meu Deus!, saudades eu tenho dos discursos do Leonel Brizola, do Paulo Maluf e do Enéas Carneiro. Nem precisava tanto. Saudades de qualquer coisa parecida com discurso. Qualquer coisa parecida com fala articulada.

Manifestar-se é preciso; ter vergonha na cara não é preciso

Para começar a semana, artistas e intelectuais – “personalidades” – assinaram o ducentésimo nono manifesto contra e a favor de não sei o que. Ah!, sei sim: contra Bolsonaro e a favor da democracia. O resultado? Provavelmente nenhum. Ou o contrário do que se espera: é capaz de muita gente votar no Bolsonaro só porque a Bela Gil não vota.

Gustavo Corção ficaria orgulhoso

A militância bolsonariana não ajuda. Numa tal Marcha pela Família, acontecida na cidade de Recife, de um trio elétrico ouviam-se os edificantes versos:

Dou para CUT pão com mortadela

e para as feministas ração na tigela.

As minas de direita são as top mais belas

enquanto as de esquerda têm mais pelo que cadela.

De volta para o manifesto

Ainda que a tese não seja ruim – “defender a democracia” –, seu alvo é fixo, exclusivo e ideologicamente selecionado. Jair Bolsonaro, ponto. Assim eles entregam o jogo. Nem uma palavra sobre a esquisitice civilizacional de sermos governados por um presidente que receberá conselhos de um presidiário, ou por um presidiário que receberá conselhos de um presidente; não sei ao certo. Parece que a ordem dos fatores não alterará o produto.

Isso é atentar contra a democracia, estão lembrados? Não estão lembrados. Não fazem nem ideia. O PT nunca atenta contra nada, está tudo muito certo, estado de direito é estado do meu direito. Democracia é o nome que os petistas dão quando governam; quando os outros governam ou pretendem governar, vira ditadura.

Marcos 15: 9-11

Num segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, busco a jarrinha d’água, invoco o Pilatos interior, lavo as mãos e vou assistir ao videoteipe dos jogos do meu time. Virem-se com o Barrabás da vez.

Ilegitimidade pouca é bobagem

Tenho de lembrar aos fascistas de esquerda que se ele, Bolsonaro, parece uma ameaça à democracia, ele, o PT, faz tempo deixou de ser apenas ameaça. O sentimento de ilegitimidade do moribundo presidente Michel Temer se acentuará caso o virtual primeiro-ministro do governo petista venha a ser um condenado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, noves fora todas as outras condenações possíveis que estão por vir. Sobre isso, nem um pio.

Eles também não

E nem um pio quando Nicolás Maduro é fotografado em restaurante de luxo na Turquia, enquanto relatório da Anistia Internacional acusa forças venezuelanas de 8.200 execuções extrajudiciais em três anos. Estamos falando de 8.200 execuções. Temos a fome, o exílio, o desaparecimento, as agressões, a tortura, a censura, as prisões. Quantas vezes mais do que a ditadura brasileira, que durou vinte anos? Muitas vezes mais. Essa notícia não provoca nem provocará os brios humanitários de todos os que se esmeram e se esforçam na rejeição a Jair Bolsonaro. Manifestos contra o ditador venezuelano? Nem sei o que é manifesto.

Tudo o mais constante

Ainda que o Recruta Zero seja ou insinue ser uma ameaça à democracia, o fato é que os regimes de esquerda, como os de Chávez e Maduro, de Castro e Che (lista não exaustiva), já fizeram muito de tudo aquilo que os nossos intrépidos democratas dizem temer.

Marcha soldado, cabeça de papel

Um amigável Augusto Nunes entrevistou Bolsonaro no hospital. Lá pelas tantas, Nunes perguntou: “O sr. costuma ser apresentado pelos adversários como um risco à democracia. O sr. vai defender a democracia acima de tudo? Qual recado o sr. quer dar para quem duvida que o sr. não seja um admirador do regime democrático?”

Mamão com açúcar, era só responder. Em vão. Jair Bolsonaro garantiu que representa um risco aos esquemas deles, às indicações para estatais, às maracutaias e negociatas etc. Nenhuma palavra, afinal de contas, sobre o que ele pensa da democracia. A palavra lhe parece amaldiçoada. Como num conto de fadas político, acho que se Bolsonaro falar “democracia”, vira lobisomem. Ou ele não pensa nada sobre democracia, ou ele é incapaz de compreender uma pergunta simples. Tudo isso é mistério da fé.

Oi, sumido

Na mesma entrevista, Paulo Guedes foi invocado como avalista de todas as ideias econômicas que o candidato nunca teve. O problema é que Paulo Guedes anda sumido. Cancelou a participação na sabatina do próximo dia 03 de outubro, organizada pelo Estadão e pela FGV. Não é a primeira vez que ele cancela compromissos desse tipo, depois de ser desautorizado por Bolsonaro a propósito da criação de um certo imposto. Temperamental. Na edição de setembro da revista Piauí, a jornalista Malu Gaspar acompanhou o futuro super-herói e lhe traçou o perfil. Paulo Guedes se mostrou pouco afeito à política e às politicagens da política. Disse mais de uma vez que, se lhe enchessem o saco, desistiria. Gaspar provocou: “Posso então escrever que você está desistindo?” Guedes retrucou: “Esse é o sonho de todo mundo, todo mundo quer foder Bolsonaro. Mas esse prazer eu não dou. Só depois que ele for eleito”.

Ilha de Lost

Num país que dia a dia se torna menos compreensível que o final do seriado Lost, esfacelamos a centro-direita e esmagamos a centro-esquerda; estes chamam todos aqueles de fascistas, aqueles chamam todos estes de comunistas; e, de simplificação em simplificação, arranjamos uma complicação continental. O duro é que haverá país depois da festa. Que país haverá são outros quinhentos.

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