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Muita coisa acontece quando nada acontece
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Hoje vou preparar filé à parmegiana para o almoço. Sim, eu faço a comida em casa. Minha mulher, tradutora, empoderada, cuida das contas e ganha o dinheiro. Eu escrevo, faço comida e gasto o dinheiro. Quase isso.

Mas voltando à metafísica: seis filés de alcatra ou mignon, farinha para empanar, tomates para o molho, queijo, arroz, sem grandes surpresas. E isso é bom.

É bom quando a vida transcorre assim, sem grandes surpresas ou sobressaltos. Lembrei-me disso, e o filé entrou na crônica, depois de certa conversa com o João, João Barros, amigo que há muito não me dava notícias de sua vida ou de sua morte.

Procurei o João e o João está bem, vivo, sem graça, sendo João no canto dele. Pedi novidades e ele, um tanto constrangido, listou as novidades: está namorando; está trabalhando; está vendo filmes e ouvindo música; está indo à Missa aos domingos. Feita a lista, ele se apressou: “Não lhe escrevi porque não tenho nada de interessante para contar, tudo muito prosaico e…”

E imediatamente eu disse: que bom. Que bom, João, que tudo está prosaico, cotidiano, previsível. Novidades, grandes novidades, são quase sempre ruins. Por óbvio, há novidades e surpresas boas: um casamento, um filho que vai nascer… Mas quantas vezes nos casamos na vida? Salvo o Fábio Júnior, uma vez, duas no máximo. Quantos filhos fazemos na vida? Salvo o Mister Catra, dois, três ou quatro…

As boas coisas da vida acontecem devagar, e quando nada acontece, isso é bom. Na vida, os sobressaltos e as surpresas ruins, muito ruins, são maiores e mais frequentes: quase toda semana alguém que eu conheço, ou que o leitor conhece, descobre um câncer, sofre um acidente, perde o pai ou a mãe, o cachorro ou o amigo.

Hoje, enquanto escrevo esta crônica, há um prédio em chamas no centro de São Paulo, ocupado por famílias que provavelmente perderam muitos dos seus. Já nada tinham, perderam o que tinham.

Portanto, esta crônica é para meu amigo João, e para o amigo leitor, sendo ele João ou José, Maria ou Madalena, para que se lembrem: a vida de todos os dias – cotidiana, previsível e prosaica – é boa. Não precisamos de revoluções ou apocalipses. Quando não acontece nada, acontecem muitas coisas, basta que as vejamos com atenção: o trabalho, os filmes, a namorada, a Missa, o filé à parmegiana.

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