• Carregando...
O país da surrealeza
| Foto:

Aristóteles escreveu: “O homem é um animal político”.

Aristóteles, seu bobão.

O grego não poderia suspeitar que, dois mil e tantos anos mais tarde, num distante rincão tropical, uma cantora atualizaria a sentença em conformidade com as mais avançadas pesquisas filosóficas: “Mostrar o bumbum nas redes é um ato político”.

Foi o que disse Vanessa da Mata.

Fui conferir o ato político dela. Não sei se é político, mas é um ato e tanto, concordo, assino e dou fé. Amanhã vou novamente pesquisar a respeito desse ato político.

Pois o Brasil é vanguardista, liberal nos costumes e conservador na economia (ou o contrário? Esqueci). Inovações políticas são nosso feijão-com-arroz. Limites? Não conhecemos limites.

Por exemplo.

Na disputa pela presidência do Senado tivemos de tudo, menos aborrecida e improfícua normalidade.

Uma senadora roubou documentos e saiu correndo.

É.

Um desconhecido larápio (embora suspeitemos) tentou fraudar a votação.

Sim, isso mesmo.

Outro, perto da derrota, renunciou: “Prefiro morrer do que perder a vida!”

Quase.

E teve o Jorge Kajuru.

Enquanto os trabalhos (sic) se desenrolavam, e os números circenses eram apresentados ao distinto público, ele fazia enquete nas redes sociais para decidir em quem votaria. Reality show no estrito sentido do termo. Diante do escandaloso escrutínio, da tentativa de fraude, dos discursos intermináveis e perfeitamente malucos, da renúncia de vários candidatos, das ofensas entre eles e deles para nós, Jorge Kajuru achou por bem manifestar sua mais profunda indignação: as constantes mudanças na estratégia dos candidatos à presidência do Senado estavam ofendendo…

…o decoro?

…os altos valores republicanos?

…a soberania nacional?

…os eleitores?

Não: sua enquete.

O animal político atualizou a definição aristotélica: o político é um animal.

Animal midiático, pelo menos.

A propósito de inovações, antes que eu me esqueça, nosso príncipe com jeitão de CEO, defensor da meritocracia (silabemos: me-ri-to-cra-ci-a), defende um “recall de mandato”: teríamos o direito de catapultar o zoon politikon “dos quais perdemos confiança”.

Costumo perder a confiança nos políticos, não dos políticos; eles nunca confiaram em mim. Detalhes tão pequenos de nós dois… Pelo sim pelo não, gosto da proposta; até queria aperfeiçoá-la: político sem mandato nenhum. No dia da posse leva uma torta na cara e renuncia de imediato. Mas reconheço que, na falta de proposta melhor, o principesco recall parece um complemento oportuno à política de enquete do plebeu Jorge Kajuru.

Como é bom viver num país em que o príncipe se dá tão bem com o plebeu, as classes e os estamentos, as espécies e as etnias, o sangue e a burguesia, nesse arranjo muito próprio e muito nosso, noves fora o ato político (fui conferir outra vez, para tirar uma dúvida) de Vanessa da Mata.

República à parte, o Brasil é o país da realeza.

Retifico: o Brasil é o país da surrealeza.

 

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]