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O que há de incorreto no politicamente correto
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Nem todo discurso politicamente correto é, de fato, politicamente correto. É possível que alguém defenda com sinceridade e razão causas que, num outro contexto, tendem a ser consideradas como pertencentes à agenda politicamente correta (esta, sim, ideológica). Portanto, algum discurso tido como politicamente correto pode ser apenas correto, sensato, razoável.

O vegetarianismo, por exemplo. Não sou vegetariano, mas seria infantil afirmar que todo vegetariano tem comportamento político. Muitos podem ser avessos ao consumo de carne e produtos de origem animal pelas mais diversas razões: dificuldade para metabolizar certos alimentos ou compaixão pelo sofrimento de outros seres. É uma disposição individual respeitável.

O cuidado com o meio ambiente também: há quem se preocupe a sério com isso; eu mesmo me preocupo. Na cidade em que vivo, de médio porte, existe uma verdadeira tara por cimento e construções; não apenas do poder público, que durante dezesseis anos de gestão petista cimentou tudo, mas também de moradores, e não são poucos, que detestam qualquer coisa que vagamente lembre a vegetação. “Sujeira”, como mais de um vizinho me disse.

Tantas outras bandeiras podem ser defendidas sem ironia ou interesse escuso. Uma política mais firme e menos condescendente a respeito da crueldade, do abandono e dos maus tratos aos animais; o melhor aproveitamento (ou adequada destruição) do lixo; o acolhimento de imigrantes em situação deplorável; o atendimento a idosos, crianças, gestantes, adictos e, por que não?, encarcerados. Salvo engano, foi o que Cristo ensinou meia dúzia de anos atrás.

O discurso é politicamente correto, no entanto, quando fica claro que sua defesa é demagógica e ideologicamente orientada; que seu fundo é falso; que sua motivação é postiça; que suas intenções são sórdidas.

O politicamente correto, assim, transforma-se num produto discursivo a ser vendido por gente que, de uma maneira ou de outra, capitaliza valores éticos, sociais e culturais, com o intuito de vende-los a gente que os consome. Tudo tem preço, até a virtude. Tudo se compra, até amor verdadeiro.

Ser politicamente correto, sob essa perspectiva, é fazer com que causas que, em si mesmas, podem ser legítimas e justas, transformem-se em bens simbólicos para consumo rápido, manufatura axiológica feita em larga escala e com nenhum cuidado, numa espécie de fast-food moral que mata a fome por instantes, apazígua os ânimos, mas estraga o organismo e atrapalha a nutrição.

Não por acaso, personalidades artísticas, pseudo-artísticas e intelectuais são tão propensas a isso: muito do que fazem depende mais do valor agregado, do discurso sobreposto, do efeito colateral, que do trabalho propriamente dito. Não valem pelo que são, nem pelo que produzem de genuíno, mas pela embalagem discursiva com que embrulham seu produto de baixa ou nenhuma qualidade.

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