• Carregando...
Foto de Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Foto de Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo| Foto:

Do leito hospitalar, um convalescente Jair Bolsonaro põe em dúvida as eleições que se aproximam antes mesmo de acontecerem: qualquer resultado que não seja sua vitória será fraude. Isso é mais grave do que parece à primeira vista.

Duas questões importantes.

1 Jair Bolsonaro tem todo o direito de questionar o mecanismo do voto eletrônico tal como hoje se apresenta. Ninguém há de negar que a auditabilidade é constitucional e é desejável.

2 Não obstante, Jair Bolsonaro participou de todas as eleições feitas sob o atual sistema e não teve muito do que reclamar. Foi eleito, seus filhos foram eleitos. Ainda que ele tenha se preocupado com o problema antes, não sofreu os efeitos de uma suposta falta de lisura no atual modo de contabilizar os votos.

Dito isso, o que incomoda na fala de Jair Bolsonaro é o quanto lança de sombra sobre o processo eleitoral como um todo, sobre a legitimidade da disputa e o reconhecimento político do escrutínio público. É um problema, digamos, de filosofia política. Ele está participando de eleições, mas não confia no sistema, na equipe técnica, na Justiça Eleitoral. Não confia nas eleições.

Pior: não confia no resultado caso não lhe seja favorável. Isso é evidentemente chantagem e tem espírito golpista. Considerando que Jair Bolsonaro e seus conselheiros gostam de falar em golpe, autogolpe, intervenção e amenidades desse jaez, a declaração soa ainda menos oportuna.

Surpreende que tanto eleitor aplauda esse tipo de discurso sem arquear sobrancelha, como se tudo fosse muito óbvio. Se as urnas não são confiáveis, é justo que se confie nelas somente em caso de vitória? Isso mostra que o apego a seu candidato às vezes paira acima do apego a qualquer outro valor.

Estranhamente, Bolsonaro e seus correligionários parecem não perceber que colocar em dúvida – nesse momento e sob essas condições – a legitimidade de uma possível derrota, termina por dar à esquerda radical o argumento certeiro: se Bolsonaro vencer, o PT e seus satélites terão argumentos para exigir a impugnação das eleições – ou, no mínimo, para criar muitos problemas. E eles sabem criar problemas.

Adriano Soares da Costa, uma das maiores autoridades em direito eleitoral no Brasil – e, para registro, eleitor convicto de Jair Bolsonaro –, fez o seguinte comentário:

É natural a preocupação de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas brasileiras. Inclusive porque a lei que estabeleceu o voto impresso não apenas era constitucional como correta. Não poucos foram e são os críticos da qualidade da segurança, o que levou o TSE a fazer periodicamente diversos testes controlados de integridade, justamente para melhorar a sua performance.

(…) Confio no corpo técnico do TSE, extremamente qualificado e correto em seu proceder. Confio que o nosso sistema eletrônico que vai expressar, dentro dos limites ou margens de erros previstos no sistema, resultados compatíveis com a real manifestação de vontade dos eleitores.”

O jornalista Reinaldo Azevedo há tempos defende a tese de que o “lava-jatismo” – ímpeto punitivista que, na prática, se transforma na demonização da política – tem efeitos colaterais bastante ruins. Na sanha compreensível de punir corruptos, terminamos por dizer que todos são corruptos e, enfim, se ninguém vale nada, Lula vale mais.

Noutras palavras: ficamos sem opções pragmáticas porque todos são igualmente sujos. Logo, aquele sujo mais conhecido, mais popular, mais populista, leva vantagem. Não concordo inteiramente com Reinaldo Azevedo. Acredito que a Lava Jato fez (muito) mais bem do que mal. Porém, tal como a italiana Operação Mãos Limpas, deveríamos ter aprendido que as doenças políticas não se curam fora da política.

Quando os institutos fizeram sondagens de intenção de voto com Lula na cadeia, houve quem considerasse rematado absurdo que ainda existissem eleitores de Lula. Pois há, e muita gente. No imaginário do povo, se todo mundo é ladrão, ele é o ladrão mais confiável. Se todos são malvados, ele é o malvado favorito. O resultado aí está: Fernando Haddad sobe nas pesquisas com a desenvoltura de quem não tem o peso da vergonha na cara para carregar.

Por essa razão, precisamos rejeitar a chantagem, o blefe, a ameaça, o dedo no olho, o nós-contra-eles. Esse vale-tudo contra o PT pode surtir efeito contrário, porque de vale-tudo em política eles são escolados. Para enterrar o lulopetismo é preciso saber usar as ferramentas – e usar as ferramentas certas: ética, legalidade, estado de direito, boa política. E, para meu gosto, a sátira.

Os comentários do professor Soares da Costa – repito: eleitor convicto de Jair Bolsonaro – são um alento em meio a uma disputa eleitoral tão carente de racionalidade e prudência.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]