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G. Crescoli/ unsplash.com| Foto:

As diversas publicações que chegaram ao fim, e as dezenas (talvez centenas?) de demissões nas empresas do Grupo Abril, trouxeram à tona o que se teme, mas há muito se espera, na chamada grande imprensa: a crise da própria imprensa como modelo de negócio e, de certa forma, como fato cultural relevante.

O jornalismo, que já se safou de ditadores e censura, pode estar com os minutos contados, caso não consiga vencer seus mais temíveis inimigos: os leitores (sua falta) e a indiferença. Num mundo onde tudo é negócio ou ideologia, o jornalismo perde o rumo e a razão de ser, e se inviabiliza.

O fim prenunciado não chegará depois de amanhã; nem mesmo sabemos se chegará. Alguns acreditam em sua inevitabilidade. Penso diferente. É possível, sim, que aquilo que conhecemos como “imprensa”, nome cada vez menos preciso para designar fenômeno tão vário, sobreviva à maior crise de sua história, mas para isso algumas coisas têm de ser feitas.

A primeira coisa a ser feita é acelerar o processo de adaptação e compreensão do novo mercado e de suas possibilidades. Mundo afora – mas principalmente no Brasil, onde tudo o que é bom demora a chegar e tudo o que é ruim chega rápido demais –, ainda há muitas empresas de comunicação que patinam entre bits para entender o novo jeito de produzir, ler, ver, ouvir notícia e opinião.

Algumas exceções dão alento aos pessimistas: o The New York Times, jornalão tradicional e ainda influente, comemora o crescimento do número de assinaturas digitais (hoje representam dois terços do faturamento da empresa), mas tem ganhado menos com publicidade impressa. A estratégia consiste em migrar da Nicarágua de papel para sobreviver na Singapura digital.

Porém, essa é parte – e nem sei se mais importante – da solução.

O que está me deixando pasmo na história toda, e a crise da Abril ilustra com eloquência, é o seguinte: sabemos que a mídia está se transformando, que as pessoas não leem mais do mesmo jeito, que millennials tendem a se comunicar por reclamações, ruídos gráficos e tatuagens corporais etc.

Entretanto, a imprensa escrita (impressa ou digital, pouco importa) está cada vez menos… escrita. Ninguém está disposto a apostar na inteligência e no interesse do leitor. Você abre revistas de grande circulação, que já foram referência, e encontra lá umas paginazinhas, montes de fotos e anúncios, diagramação preguiçosa, textos curtos e chatos, objetividade estéril. Há cadernos culturais que deviam ser proibidos de circular, por incentivo à anorexia intelectual.

Nada de personalidade, ousadia, insulto, criatividade, wit. Então, o leitor que compraria a revista se pergunta: “Para que vou comprar isso?” Por economia e estratégia, editores acreditaram que menos é mais. Aos poucos estão percebendo que menos é menos, mesmo.

O profissionalismo e as modernas técnicas de padronização têm, tiveram, valor e razão de ser. Só que trouxeram junto uma espécie de acídia, certa falta de vitalidade, que fez com que tudo se parecesse com tudo e, aos poucos, tudo se parecesse com nada.

As editoras reclamam da falta de leitores. Eu não desculpo os leitores. De fato, são espécie em extinção, irritadiça, delicada, todos cada vez mais caprichosos e desinteressados. O problema é que já não sei se jornais e revistas desaparecem por falta de leitores, ou se os leitores desaparecem por falta de jornais e revistas.

Em países orgulhosamente iletrados como o Brasil, leitores em abundância são como petróleo no pré-sal: estão lá, potencialmente, mas é preciso investir. Infestar matérias com sinaizinhos, cores, imagens e informações sobre a vida de celebridades pouco célebres não ajuda. Apostar no “não-leitor” é o pior caminho possível. Precisamos de matérias de fôlego, textos idiossincráticos, jornalismo literário. Precisamos de inteligência: de quem escreve e de quem lê.

Saudosos tempos em que de uma manchete de Nelson Rodrigues escorriam sangue, suor e lágrimas.

E estilo.

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