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Foto Antônio More/ Gazeta do Povo
Foto Antônio More/ Gazeta do Povo| Foto:

Em tempos bicudos como este que vivemos convém tirar logo os espantalhos da frente: não, não há nada que impeça o sujeito de ir às ruas expor suas opiniões. Sobre o quer que seja. Inclusive apoiar o presidente da República, queixar-se do Congresso Nacional ou reclamar do Supremo Tribunal Federal. Se o ato não é violento, se não se presta a viabilizar qualquer ilegalidade, nada há de errado em promovê-lo.

Entretanto, o valor democrático de um protesto não se mistura com a qualidade da sua motivação. Ele pode preencher todos os requisitos legais e ainda assim ser desprovido de senso. Pode provocar repulsa, embaraço e até merecer a pecha de patético.

É o caso da manifestação convocada pelo governo e parte de sua base de apoiadores para o próximo domingo.

A grande ironia é que o bolsonarismo, naturalmente avesso à esquerda, nunca esteve tão próximo de emular o tripé de atuação basal do PT: aparelhamento ideológico, atropelo das instituições e, por fim, a manipulação do povo.

Afinal, não faz muito tempo que os apelos para a defesa do mandato de Dilma Rousseff eram ironizados por essas mesmas pessoas hoje dispostas a ocupar os espaços públicos em prol de Jair Bolsonaro — “onde já se viu protesto a favor?”, questionavam à época.

O presidente resmunga sem razão. Ataca as regras do jogo democrático para justificar a sua inaptidão ao cargo para o qual foi eleito. É essa a realidade. É por isso que a essência desse evento no dia 26 flerta com a birutice. E não é por acaso que grupos e pessoas importantes nas realizações dos protestos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff — todos sem exceção padrinhos e madrinhas de sua vitória eleitoral em outubro — rechaçaram de pronto a hipótese de participar.

Há uma dose inescapável de esquizofrenia quando demonizamos os nossos políticos, porém, é preciso reconhecer, isso não inviabiliza a crítica. Uma vez eleito, o sujeito deve mesmo ser cobrado pela sociedade. O problema atualmente se dá pelo fato de uma considerável parte da população se recusar a fazer uma leitura honesta a respeito do queixume do presidente e do atrevimento de seus assessores mais próximos.

É como se ainda não tivessem conseguido virar a página. Não apenas da última eleição, mas dos protestos em 2013. Tanto que agora se dispõem felizes a engrossar as fileiras de um protesto chapa-branca.

Em uma democracia, representantes do povo por ele eleitos compõem as esferas do poder e atuam com base em diálogo, debates e costuras políticas. Isso é ainda mais necessário em um país de dimensões agigantadas como o nosso, onde realidades e carências diversas se misturam. Só não é assim nas ditaduras. 

É o cúmulo do descaramento que agora, de olho somente na própria sobrevivência política, Jair Bolsonaro maldiga um sistema do qual faz parte há três décadas e no qual incluiu seus filhos. Pior só mesmo comprar mais essa pantomima bolsonarista.

O tempo passa, mas parece que a gente não aprende.

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