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Foto: Mario Vitor Rodrigues
Foto: Mario Vitor Rodrigues| Foto:

Reza a mitologia grega que Narciso era um jovem tão belo quanto orgulhoso e arrogante, a ponto de levar as ninfas desprezadas por ele a exigirem uma punição. Coube à deusa Nêmesis enfeitiçá-lo por seu próprio reflexo, de tal forma que o rapaz definhou encantado pela própria imagem.

Passo os últimos dias do ano no Rio. Vim ficar perto de minha querida mãe, que já não é tão moça, e aproveitar opções de lazer como o banho de mar e o biscoito de polvilho acompanhado do mate gelado enquanto os pés chafurdam na areia. Detalhes para os quais nunca dei muita bola, mas que ganharam uma relevância transcendental quando passei a morar em São Paulo.

Levando em conta esses quesitos, e apenas esses, devo dizer: nesta época do ano, o Rio não é apenas um exemplo de perfeição estética incomparável, mas também o melhor lugar possível para se viver. É quando o sol castiga o nosso couro e a proximidade da virada de ano faz o futuro parecer alvissareiro que a atmosfera desta cidade nos impõe bom humor e um otimismo inescapáveis.

Desgraçadamente, porém, me vejo incapaz de contornar os estragos perpetrados por décadas de administrações criminosas.

Bairros que se confundem com a história do próprio país, a Glória, o Catete e o Largo do Machado estão completamente abandonados. Por toda a cidade, à exceção talvez de um punhado de ruas em Ipanema e no Leblon, a iluminação urbana é precária. Já a destruição das calçadas mereceria uma coluna só para ela. Idem para a segurança.

Acima de tudo, impressiona a quantidade de mendigos. Há uma porção deles pelas esquinas e praças, especialmente na Zona Sul. Entretanto, cabe uma concessão: o que não falta são pedintes por todo o país. Mesmo na minha adorada São Paulo.

O Rio encanta. Continua lindo, porque foi abençoado com o casamento entre geografia e clima imbatíveis. Todavia, também frustra por encarnar o Brasil estereotipado, suas virtudes e seus pecados, como nenhuma outra cidade.

Logo estarei de volta às franjas da Avenida Paulista que tanto admiro. Retornarei para uma sociedade que funciona, preocupada em produzir, na qual os serviços são bem prestados ou se veem atropelados pelo concorrente.

Até lá, contudo, não restará outra alternativa além de reverenciar o escândalo que é essa cidade. Ou, pelo menos, a parte boa que restou dela. Como um Narciso amargurado.

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