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Foto: André Rodrigues/André Rodrigues
Foto: André Rodrigues/André Rodrigues| Foto:

“A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”

Um dia desses eu conversava com uma amiga experiente e sensata sobre os dois primeiros meses de governo. O presidente da República ainda não havia exposto o país ao ridículo por meio de um tuíte pornográfico, mas o tom da nossa conversa era o de duas pessoas preocupadas com os rumos da administração Bolsonaro. Até que ela decidiu sondar o meu ponto de vista sobre a possibilidade de um endurecimento democrático. Repeli com veemência tal hipótese. Acabei reproduzindo o mesmo discurso que venho proferindo há meses: o discurso à direita temendo a venezuelização do Brasil não passara de um alarido comum aos períodos eleitorais, tanto quanto o da esquerda apostando na volta de uma ditadura militar, caso Jair Bolsonaro fosse eleito.

Pois errei.

Não que as ruas estejam repletas de tanques ou a atual gestão nade de braçada nos índices de popularidade para impor tamanho pesadelo, mas a fala do presidente nesta quinta-feira, para uma plateia de fuzileiros navais na sede da Marinha, no Rio, dispensa maiores interpretações.

Em primeiro lugar, ele não se considera presidente de todos os brasileiros. Definir com exatidão quem ama a pátria, respeita a família e deseja a aproximação com países ideologicamente próximos ao regime atual certamente não é tarefa simples, porém não são todos. E ele não quer conversa com os demais.

Contudo, o pior — alarmante como poucas vezes se viu desde a reabertura democrática, surreal sob qualquer ponto de vista institucional — é a ameaça embutida no trecho “E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”

Como era de se imaginar, o presidente, ladeado pelo General Augusto Heleno e pelo porta-voz Rego Barros, veio à público negar o que havia dito. E, talvez ainda mais esperado, culpou a imprensa pelo impacto da sua irresponsável declaração.

Se é uma questão de estratégia não se sabe, entretanto até agora foram inúmeros os tiros nos pés desferidos pelo próprio mandatário, por seus filhos e ministros; inúmeras também foram as crises desnecessárias, incluindo recuos que já vitimaram agendas basais, como a segurança e a economia.  Tudo isso só serviu para mascarar a incompetência de um pessoal claramente despreparado para guiar o Brasil.

Pode piorar se a merecida chacota igualmente tiver a capacidade de esconder o risco que essa máquina agressiva, com viés autoritário e avessa aos princípios democráticos mais básicos representa.

Continuo apostando que não corremos o risco de ter de volta uma ditadura militar. Não vejo a maioria da sociedade, inclusive a maior parte dos eleitores que votaram em Jair Bolsonaro, apoiando tamanho extremismo. Todavia, isso não basta. Assim como não bastaria a aprovação de uma robusta reforma da Previdência — realidade essa cada vez mais distante.

A questão é que o governo Bolsonaro não é apenas despreparado. Antes, é também perigoso. Assim como são perigosas as ameaças e pequenas feridas que impõe à ordem democrática diariamente.

Algo que não podemos tolerar. E que merece a nossa atenção.

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