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Arte: Felipe Lima
Arte: Felipe Lima| Foto:

Devagar, aos trancos e barrancos, parece que a maior parte do país se convenceu de que precisamos de uma reforma da Previdência. Estou entre os que estão convencidos disso. Não questiono, portanto, a necessidade de que o passo seja dado. Mas não deixo de lamentar que, em meio a tanto debate, não se fale mais na penúria dos aposentados.

Na história que se conta hoje os aposentados viraram um problema e é preciso mão firme ao lidar com eles. Nada de coração mole com a ladainha de velhinhos que gastam demais na farmácia!

Ao falar deste tema é preciso fazer uma distinção porque existem aposentados e aposentados. Aposentados do regime geral, que são a maioria; aposentados com regime próprio; aposentados de bem com a vida, que passaram pelo Legislativo ou pela cadeira de governador; e aposentados sempre-alerta, que são os militares (eles dizem que nunca se aposentam). De todos esses, os únicos que têm um regime de fome são os da iniciativa privada, aqueles que recebem, em média, R$ 1,3 mil por mês e cujo sonho de consumo é o teto de R$ 5,8 mil que quase ninguém ganha – segundo pesquisas que ando fazendo, por puro masoquismo, entre os mais de 30 milhões de aposentados do regime geral, não chegam a 10 mil os que recebem o tal teto.

Com um benefício mensal de R$ 1,3 mil por mês, convenhamos, tem muita gente passando aperto. Talvez devêssemos mudar a nomenclatura: malefício mensal não soa mais adequado?

Nos próximos anos, com as mudanças que devem ocorrer nas regras da Previdência –  seja lá o que saia do Congresso –, o valor das aposentadorias deve diminuir. A “média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição” que está valendo deve ser substituída pela “média das contribuições ao longo da vida para garantir 60% dessa média”. Isso não soa como uma conta de subtração infinita?

Assim o benefício pago à maioria dos brasileiros vai se tornando pouco mais que um Bolsa Família vitaminado. O próximo passo será ressuscitar o Fome Zero, agora na versão sênior.

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Mudando de assunto, mas uma observação sobre o que vejo neste Brasil lindo e trigueiro. Vivemos grandes tempos, se acreditarmos no que lemos nas mídias sociais e em textos jornalísticos. Abundam os mitos, os ícones, as lendas e os mestres. Há duas vertentes: a dos donos de grandes obras cujos nomes são sempre precedidos de um adjetivo dessa família, especialmente “icônico” e “lendário”. E há a vertente dos amigos que, elogiados em posts e tweets, se tornam todos “mestres” e “mitos”. Um exagero, é claro.

Essa louvação entre pessoas da mesma geração, companheiros de bar ou de bancada no escritório, sempre me soa autocongratulatória. A estratégia é: exagero a importância e o brilhantismo da minha turma para ressaltar meu próprio valor. Um comportamento adequado para tempos como o nosso, em que se vive em permanente exibição, uma exibição que resulta em avaliações (na forma de likes, de compartilhamentos). É o verdadeiro samba-exaltação.

Nesses horas dá vontade de pegar um jornal velho, mas velho mesmo, talvez aquele que trouxe nosso nome na lista de aprovados no vestibular e que guardamos em algum fundo de gaveta, e reler tudo para saber como se falava de grandes artistas e atletas e escritores quando “icônico” e “legendário” ainda não tinham virado palavra fácil que se encaixa em qualquer frase.

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Aliás, ler jornal velho deveria ser obrigatório para quem tem nacionalidade brasileira. Só seria dispensado quem comprovasse que lê livros de História. Reli outro dia uma edição de 1988 d’O Estado de S.Paulo que chamou minha atenção por trazer uma reportagem assinada por Ricardo Boechat. Ele e outros três repórteres (Aluizio Maranhão, Suely Caldas e Luiz Guilhermino) contavam como funcionava um esquema de corrupção na BR Distribuidora, ou seja, em um braço da Petrobras. A história envolvia propinas, festas e chantagens. Depois que os fatos se tornaram públicos, o presidente Sarney foi obrigado a substituir a cúpula da Petrobras, inclusive o general que a presidia. Moral da história: não se reinventa a roda, o que se reinventa é a malandragem de uns e a ingenuidade de outros.

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