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Mais um dezembro
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Anos atrás fui abordada por uma senhora, a dona Hilda Bonatto Ribeiro, que batia nas portas dos vizinhos procurando pessoas dispostas a presentear desconhecidos. São crianças pobres, ela contava. E explicava: as organizadoras elegem uma comunidade carente, listam as crianças e colam etiquetas com os dados de cada uma delas em uma sacola de plástico vermelho. As sacolas são entregues a pessoas dispostas a ajudar e depois recolhidas com os presentes (brinquedo, roupa, calçado e doces) e entregues durante uma festa. Aos doadores cabe comprar os presentes; aos organizadores, localizar as pessoas de boa vontade, levar até elas as sacolas vazias, recolhê-las cheias e entregá-las aos presenteados. Uma trabalheira!

Dona Hilda participa porque gosta da ideia e para ajudar uma amiga que ela preza muito, a Marizete Simioni, que junto com a filha Elisangela distribui de 500 a 600 sacolas com presentes todos os Natais. Fazem isso assim, como se não fosse nada. Como se não estivessem ajudando umas mil pessoas a serem mais felizes – as que recebem os presentes e as que presenteiam – em uma época do ano que, de tão festiva, provoca melancolia em muitos de nós.

Há 21 anos a família Simioni está nesta lida. Ela surgiu como reação a uma tragédia. Hamilton Simioni, marido da Marizete, estava no voo 402 da TAM que caiu sobre o bairro do Jabaquara, em São Paulo, logo depois de decolar em Congonhas na manhã do dia 31 de outubro de 1996. No velório de Hamilton apareceram pessoas que foram ajudadas por ele. Queriam homenageá-lo. Ele era dado a fazer doações para igrejas, asilos, escolas. O susto e a dor ainda ardiam no peito quando dona Marizete decidiu ir para a rua melhorar o Natal de outras famílias, já que o dos Simioni seria inevitavelmente marcado pela perda tão recente.

Não posso contar exatamente o que passou pela cabeça dela e se a trabalheira em que se meteu logo após perder o marido teve efeito terapêutico. Conversei com Marizete brevemente e notei que ela fala pouco dos 500 presentes, como se fossem café pequeno, e que conta sobre a morte do companheiro Hamilton de forma serena. Deduzo então que sim, as sacolas de Natal e outros projetos que ocupam seus dias ajudam a ela também. Não fosse assim, não estaria Marizete, duas décadas depois, lotando a casa de sacos vermelhos que levará até lugares distantes da Santa Felicidade onde ela e a amiga Hilda moram. Também providenciará os comes e bebes para que a entrega das sacolas seja especial, com festa, o que inclui um Papai Noel bem-disposto para abraçar 50 ou cem crianças em cada parada.

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É dezembro. A cidade grita “Natal”.

Sei que a decoração natalina de Curitiba já teve dias melhores. Ou piores, dependendo da sua opinião sobre lâmpadas coloridas piscando noite adentro. Da minha base, entre os bosques do Cascatinha (que eles resistam por muitos anos!), vejo “natalinos” convictos que cobrem as fachadas com lâmpadas coloridas. Um dia, todas brilham; no outro dia metade do cordão está apagado. Vanderlei, o nosso “faz-tudo”, garante que dias melhores virão: agora temos fitas de led que não “queimam”. O pisca-pisca será permanente, do dia da República até o dia de Reis.

No bosquezinho onde levo o cachorro para passear, observo nosso Natal mestiço. O pinheiro (não é uma araucária, mas uma espécie estrangeira) deixa cair suas pinhas que têm cara de inverno europeu. A castanheira (também uma espécie estrangeira) está exibindo seus frutos, que logo vão se misturar com as pinhas no chão. Ao lado, a pitangueira entra mais um mês carregadinha, assim como a amoreira e o butiá. Só a guabiroba não esperou por dezembro. Seus últimos frutos foram comidos pelos saguis e tucanos na semana passada.

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