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Felipe Lima
Felipe Lima| Foto:

Cá estamos nós chegando ao fim da segunda década do século 21. O século 21 é aquele que, na minha cabeça de criança, era como uma estrela supernova: misterioso, puro e distante.

Nestes primeiros anos, o século 21 está me ensinando, na marra, humildade e aceitação – “resignação” talvez seria mais adequado, mas a palavra vem com uma conotação negativa que quero evitar. Não adianta me amargurar diante da realidade que o tempo expõe: que sou apenas um elementozinho do universo, que não vai desacelerar para me poupar do passar dos anos e de tudo que vai ficando para trás. Tenho a chance de experimentar a vida. Ela seguirá sem mim para que outros tenham a mesma chance. Que alternativa haveria? Viver para sempre? Isso seria uma danação. É difícil, mas a única forma de lidar com essa pressão do tempo – que se traduz no desconforto com o envelhecimento, com as mortes dos que nos cercam, com a nossa própria morte e com as mudanças no mundo – é aceitar, parar de lutar, de combater, de resistir. Aceitar e seguir em frente em direção ao centro da supernova.

O ser humano passa uma parte da vida procurando seu lugar no mundo e a outra metade se conformando com esse lugar.

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Manuel Bandeira, após visitar uma cidadezinha no interior de Pernambuco onde viveu na infância, escreve uma carta emocionada para seu amigo Gilberto Freyre. Do nada, desabafa: “Esta vida é uma merda, seu Gilberto”.

Tenho para mim que Bandeira falava do tempo e de tudo que se vai perdendo pelo caminho.

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Cartas já não existem mais. Talvez a única forma de correspondência pessoal que ainda sobreviva no papel seja o bilhete do suicida. Sendo as cartas uma invenção humana extinta ou em processo de extinção, passamos a tratá-las como tal e estudá-las como versões mais frágeis da pedra da Roseta. O resultado são os livros que reúnem a correspondência entre pessoas famosas ou entre desconhecidos. Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, Otto Lara Resende para vários amigos, Drummond e Cyro dos Anjos, Drummond e Alceu Amoroso Lima, Amoroso Lima e sua filha, Mario de Andrade e Henriqueta Lisboa, Monteiro Lobato e Lima Barreto, dom Pedro I e a marquesa de Santos. Ou todo mundo junto, como na coletânea reunida por Sergio Rodrigues (Cartas Brasileiras, Companhia das Letras).

Já li alguns dos que citei acima e outros tantos. São deliciosos. Nas cartas a intimidade se abre para os leitores, expondo a fragilidade de quem escreve e, ao mesmo tempo, mostrando o que ele tem de melhor. Em resumo, essas coletâneas de cartas são deliciosas, despertam nossa curiosidade para outras leituras e saciam nosso voyeurismo.

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Na primeira vez que fui a Londres, andei perdida pelos corredores largos do Museu Britânico. Tanta coisa para ver! Já estava naquela fase da visita em que não se busca nada em especial, apenas se olha aqui e ali, resignado com tanta informação. A certa altura percebi um grupo compacto de pessoas cercando um objeto. Era tanta gente que não dava para saber o que olhavam a não ser que eu me juntasse a eles e esperasse minha vez de me aproximar. Fiz isso. Notei, então, que o objeto era uma pedra. Um pouco mais de perto, vi que havia inscrições na pedra. Pedra + inscrições…  A pedra da Roseta! Foi um susto ver a história que aprendi nos livros escolares se materializar na minha frente. Anos antes, havia vivido um impacto semelhante, ainda que menor, ao ver as calças de Napoleão Bonaparte em uma vitrine do museu Les Invalides, em Paris. Suas calças brancas pareciam ter sido feitas para uma criança.

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Queridos leitores, que o novo ano comece bem para vocês e termine melhor ainda.

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