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Foto: Reprodução/Instagram Família Bolsonaro
Foto: Reprodução/Instagram Família Bolsonaro| Foto:

Depois de negar a existência do déficit da Previdência, Eduardo Bolsonaro tranquilizou seguidores em uma rede social. Disse que tinha se expressado mal e que seu pai, Jair Bolsonaro, faria sim uma reforma da Previdência: “apresentaremos proposta de aposentadoria fásica”. A base seria um trabalho de professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O primeiro problema? O piso seria reduzido para 25% do salário mínimo, ou R$ 238.

A proposta de aposentadoria fásica – em fases – consta em alguns estudos dos professores Abraham e Arthur Weintraub, que de fato colaboram com a campanha de Bolsonaro. Notícias recentes confirmam que esta deve ser a proposta do presidenciável. (Atualização 16h50: o economista Paulo Guedes, da campanha de Bolsonaro, nega que a proposta dos Weintraub será apresentada por Bolssonaro)

O salário mínimo é o atual piso para aposentadorias e pensões segundo a Constituição, mas nesta reforma seria pago somente aos 65 anos, com 30 anos de contribuição. Hoje, o mínimo de contribuição para recebê-lo é de 15 anos. Aumentos do tempo mínimo de contribuição são ruins para os trabalhadores mais pobres, com maior dificuldade de obter trabalho com carteira assinada, que ficam longos períodos na informalidade, no desemprego.

É exatamente o contrário do que os professores pensam: segundo eles os trabalhadores mais pobres chegariam “estrupiados” em idades mais velhas e, por isso, seriam aposentados em idades menores. O tempo de contribuição maior seria corolário de começarem a trabalhar mais cedo. Só que esses trabalhadores já se aposentam hoje em modalidades que exigem idade mínima (de até 65 anos), e sua principal dificuldade é na verdade obter o próprio tempo de contribuição, que a proposta aumenta – potencialmente inviabilizando as aposentadorias de 1 salário mínimo.

Temos um plano interessantíssimo, mas não posso falar”, disse sobre o tema em entrevista o economista do candidato, Paulo Guedes, seu avalista no mercado. Faz sentido, diante da óbvia impopularidade da proposta de reforma da Previdência. “Pô, Paulo, você faz o que quiser depois, mas se eu fizer isso, nem chego lá” teria dito Bolsonaro.

A aposentadoria de R$ 238 e o salário mínimo com 30 anos de contribuição não são os únicos pontos mal pensados dessa reforma da Previdência: ela pode simultaneamente ser dura nos mais pobres, e ao mesmo tempo quebrar o sistema. A proposta Weintraub-Weintraub defende a capitalização das contribuições, mas jamais explica como fazer a transição.

Embora a capitalização de fato seja a opção mais sustentável para a construção de um sistema de previdência, a transição para ela é extremamente difícil em um sistema que já é deficitário. As contribuições dos atuais trabalhadores seriam separadas em contas individuais e investidas no mercado financeiro, para serem sacadas no momento da aposentadoria.

Sem transição, dezenas de milhões de atuais aposentados e pensionistas ficariam sem pagamento, porque dependem dessas contribuições dos atuais trabalhadores em nosso regime de repartição (em que os que trabalham pagam os benefícios dos inativos).

A alternativa – e o cenário mais provável – é o Estado continuar pagando esses benefícios, mas com a gigantesca perda de arrecadação provocada pela capitalização. Déficit e dívida explodiriam, tornando o Estado ou insolvente ou precisando de uma hiperinflação para se financiar. 

Fosse implantada em 2017 sem transição, o buraco da reforma seria de R$ 380 bilhões – 3 vezes maior do que o próprio déficit primário do Tesouro. Mesmo uma transição, em um sistema em que o déficit é medido nas centenas de bilhões, deveria ser extremamente cautelosa e lenta – mas sequer é mencionada pelos Weintraub.

Reduzindo o piso para R$ 238 e ao mesmo tempo quebrando o sistema: a proposta de reforma dos economistas de Bolsonaro é capaz de provocar arrepios simultaneamente nos eleitores e no mercado. É um grande passivo eleitoral.

A proposta não seria tão ruim se o sistema previdenciário fosse ser construído do zero. Mas ela é alienígena no debate atual porque ignora vedações da Constituição (como o piso de um salário mínimo, possível cláusula pétrea) e o déficit que inviabiliza perda de arrecadação. Por isso, a proposta merece a luz das discussões eleitorais das próximas semanas, ao contrário do que disse Paulo Guedes em sua sincera entrevista.

O próprio Jair Bolsonaro, enquanto deputado, foi contra as reformas da Previdência anteriores, mesmo a de Lula – que era focada somente em servidores públicos (um massacre, segundo o candidato). A de Temer, muito mais branda do que a de seus próprios economistas, foi chamada por Bolsonaro de maldade, de crime, e de falta de humanidade.

Se estivéssemos décadas atrás, com um país jovem e Previdência superavitária, a capitalização poderia ter sido uma boa alternativa. Ela aumentaria significativamente a poupança nacional, contribuindo para reduzir, por exemplo, os nossos gargalos da infraestrutura. Muitos atribuem o sucesso econômico do Chile a escolha por este regime no século passado.

Mesmo a redução do piso não é de todo ruim: a maioria dos países separa o piso da previdência do piso do mercado de trabalho (o salário mínimo). Entre as vantagens, a redução do piso dos benefícios gera também a redução do piso das contribuições – que permite a inclusão no sistema dos trabalhadores mais pobres. É um desafio que já se coloca para o Brasil se a Reforma Trabalhista for bem sucedida em incluir milhões de trabalhadores informais no mercado de trabalho formal.

A proposta de reforma é um dos pontos da plataforma de Bolsonaro que não dialoga com o passado do candidato. Desta vez, para melhor: como apresentada ela consegue a improvável façanha de ser irresponsável com as contas públicas e severa nos mais pobres. Que a tal da aposentadoria fásica vire mito.

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