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André Rodrigues/Gazeta do Povo
André Rodrigues/Gazeta do Povo| Foto:

Uma fake news surge quando o assunto são as vantagens dos servidores públicos na Previdência. Diante das comparações de que os valores das aposentadorias e pensões são muito maiores do que às do INSS, alega-se que o servidor leva mais somente porque contribui mais. Não é verdade.

De fato, os tetos dos dois regimes são diferentes. Enquanto no INSS as contribuições só incidem sobre o valor máximo dos benefícios, de cerca de R$ 5.800, o teto dos servidores é de R$ 39.200. Mas nem toda a diferença é explicada pelos tetos diferentes.

Fundamentalmente, o servidor ganha mais porque o cálculo da aposentadoria é mais vantajoso. Isto é, se aplicarmos as fórmulas de aposentadoria do servidor ou do trabalhador no INSS para um mesmo teto e mesma alíquota de contribuição, a do servidor ainda seria maior.

Fazemos isso nesta coluna, mostrando que é possível receber 3 vezes mais mesmo pagando contribuições exatamente iguais.

Fator previdenciário x favor previdenciário

Trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição no INSS estão sujeitos ao fator previdenciário. Ele calcula a aposentadoria de acordo com i) a média dos salários que o trabalhador usou para contribuir e ii) a expectativa de vida do trabalhador.

No serviço público, a maioria dos que se aposentam hoje e nos próximos anos têm a aposentadoria pela “integralidade”. É o que chamo de favor previdenciário. O que é integral não é a média salarial, mas o último salário. Para a aposentadoria desse servidor, portanto, não se leva em conta i) nem a média dos salários usados para contribuir e ii) nem a expectativa de vida.

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Como servidores costumam possuir progressões automáticas na carreira com o tempo e receberam reajustes salariais nas últimas décadas, o valor da aposentadoria pode ser muito maior do que a média dos salários. Além disso, não interessa se o trabalhador ficou 10 ou 30 anos no cargo que se aposenta: ele vai levar o último salário de qualquer jeito.

Vamos ao exemplo.

Aposentadoria 3 vezes maior, com a mesma contribuição

Vamos comparar a aposentadoria de Ana e Zilda. Ana e Zilda são irmãs gêmeas. Têm a mesma idade, escolheram a mesma profissão e começaram a trabalhar no mesmo dia. Só que Ana é servidora pública, e Zilda trabalha na iniciativa privada.

Vamos supor ainda que elas recebam o mesmo salário a vida inteira. Assim, estarão sujeitas ao mesmo teto de contribuição e à mesma alíquota.

Ana e Zilda se aposentaram este ano com 51 anos, depois de 33 anos e meio de contribuições.  No nosso exemplo, considere que elas sempre receberam R$ 2.823. Este é o valor real no INSS em que começa a contribuição de 11%, que é também a alíquota mínima dos servidores.

No último ano da carreira, ambas recebem um aumento, passando a receber o teto do INSS de 2018, de R$ 5.645,80.

Como é a aposentadoria de cada uma?

Ana é servidora. Como entrou há muito tempo no serviço público, não precisa cumprir a idade mínima de 55 anos, podendo reduzir dessa idade o tempo de contribuição acima do mínimo de 30. Com 33 anos e meio consegue fazer isso, colocando 6 meses adicionais de “licença prêmio”[1].  Assim, a conta vai a 34, permitindo a aposentadoria aos 51.

O valor da aposentadoria? Simplesmente o último salário, independentemente da média dos salários em que foram feitas as contribuições ou da sua longa expectativa de vida.

Vai receber R$ 5.645,80.

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Zilda é da iniciativa privada. Pode-se aposentar com 30 anos de contribuição, mas esperou um pouco para conseguir uma aposentadoria melhor. Vai se aposentar no mesmo dia da irmã: 51 de idade, 33 e meio de contribuição.

O valor da aposentadoria depende do fator previdenciário. Ele vai levar em conta que quase todas as contribuições de Zilda foram em um salário de R$ 2.800, e vai considerar que Zilda receberá o benefício por muito tempo por ser jovem.  Assim, sobre uma média salarial de R$ 2.931,57[2] – a mesma da irmã – vai incidir um fator previdenciário de cerca de 0,65.

Zilda vai receber R$ 1.917,25. É um terço do que Ana vai receber.

Perceba: as duas trabalharam no mesmo período, contribuíram sobre os mesmos valores e terão benefícios muito diferentes.

Uma receberá aproximadamente 3 vezes mais por um simples motivo: é servidora pública.

Veja no gráfico abaixo como o favor previdenciário é importante. Ana poderá receber muito mais do que os seus salários, que dirá do que suas contribuições.

Trajetória da servidora

Reprodução

 

Compare essa trajetória com a da trabalhadora do INSS[3].  Mesmo com os mesmos salários e contribuições, a aposentadoria é bem menor.

 

Trajetória no INSS

O exemplo dessa coluna é extremo, concebido para mostrar o poder da integralidade (a aposentadoria do servidor pelo último salário), motivo pelo qual usamos um grande aumento salarial no último ano de carreira.

Mas o exemplo da aposentadoria 3 vezes maior é didático para rebater a falácia de que o servidor leva mais porque contribui mais. Mostramos que para um mesmo salário e contribuição, os valores podem ser bem diferentes porque as regras são diferentes.

Em verdade, o gráfico não contempla outro privilégio que a servidora teria direito: a paridade. Ela pode receber aumentos acima da inflação, que não acontecem no INSS, quando servidores da ativa receberem. Por simplificação, na imagem não há esse aumento.

Ana teria que esperar 11 anos com a reforma de Bolsonaro

A resistência dos servidores mais antigos – os que ingressaram antes de 2003 e especialmente de 1998 – será grande à reforma. Para manter o favor previdenciário (integralidade), é preciso esperar até 65 anos se homem e 62 anos se mulher.

Ainda que seja possível se antecipar a aposentadoria para idades menores, esses benefícios não serão pelo vantajoso cálculo do último salário. É uma mudança natural: quem é pesadamente subsidiado pelos contribuintes terá que contribuir por mais tempo.

O subsídio existente hoje é perverso. O gigantesco déficit dos regimes próprios é custeado exatamente pelos trabalhadores que não usufruem dele. Sem a reforma, Zildas continuarão pagando as suas aposentadorias e as de Anas.

 

[1] Até 1996 servidores federais podiam acumular 3 meses dessa licença a cada 5 anos de trabalho, podendo usar ela como tempo de contribuição, como Ana.

[2] Valem apenas os 80% maiores salários.

[3] Rigorosamente, a contribuição de Zilda seria menor porque a alíquota efetiva seria abaixo de 11%, considerando faixas salariais em que incidem 8% e 9%. Essas faixas não existem hoje para o servidor. Ainda assim, por simplificação, consideramos o cálculo do benefício como se a alíquota efetiva fosse de 11%.

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