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Hugo Harada/Arquivo Gazeta do Povo
Hugo Harada/Arquivo Gazeta do Povo| Foto:

A Reforma da Previdência será a maior batalha do governo Bolsonaro. Mas não será a primeira. Já nas próximas semanas entra na pauta a medida provisória que regulamenta o setor de saneamento básico do país. Se transformada em lei, a MP facilitará o investimento privado num dos setores mais estratégicos para o Brasil. Triste país que tem água e esgoto como necessidade em pleno 2019.

A MP 868, publicada em 28 de dezembro de 2018 com anuência da equipe de transição, precisa ser aprovada pelo Congresso até dois meses após a publicação. O prazo pode ser prorrogado por igual período. Ou seja: no fim de abril, o projeto perde a validade. Passados 45 dias desde a publicação, a MP passa a travar a pauta da Câmara e do Senado. Faça as contas, leitor: essa conversa importantíssima vai começar nos próximos dias.

Em 2016, segundo os dados do Instituto Trata Brasil, 83,3% e 51,9% dos brasileiros tinham acesso a água potável e coleta de esgoto, respectivamente. No Peru, um país mais pobre que o Brasil, esses percentuais são de 86,7% e 76,2%. No vizinho rico Chile, onde a iniciativa privada participa de 94% do mercado, os indicadores de acesso chegam a 99% e 99,1%.

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A falta de acesso a água limpa e tratamento de esgoto tem um custo social elevado: infecções, desvalorização imobiliária, crianças com capacidade cognitiva abaixo do seu potencial, etc. Um robusto conjunto de evidências sustenta que uma expansão do acesso ao saneamento teria como retorno ao orçamento público e à sociedade um múltiplo dos investimentos necessários.

Já há alguns anos, o governo tem o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), um projeto de longo prazo para resolver o problema. A meta para 2033 é chegar a 99% e 92% de acesso a água potável e coleta de esgoto, respectivamente, além de dobrar a porcentagem de esgoto tratado. Até o momento, sobram motivos para pensar o que você pensou ao ler “meta” e “governo” no mesmo parágrafo.

De 2010 a 2017, os investimentos em saneamento básico rondaram os R$ 13 bilhões anuais, em valores constantes, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria. Para alcançar a universalização em 2033, o investimento médio anual deve ser de R$ 21,6 bilhões a partir de 2018. Isso precisa ser feito num país cujo Estado está quebrado.

Breve divagação sobre Previdência: é por isso que a Reforma da Previdência será a maior batalha do governo, apesar de não ser a primeira das grandes: todos os problemas do setor público brasileiro passam pelo orçamento; no Brasil, a Previdência descontrolada estrangula o orçamento; como consequência, mais de 40% do PIB passa pelo Estado brasileiro e o gasto público cresce descontroladamente, enquanto áreas realmente prioritárias são negligenciadas. Quase tudo é Reforma da Previdência no curto e médio prazo do Brasil. Eis o custo de empurrar um problemão com a barriga por décadas.

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Mas voltemos ao saneamento: o retorno é formidável, o Estado não tem gasto o suficiente para atingirmos as metas e estamos perdendo muito com um desafio do século 19. Mais de 90% do mercado é composto por empresas estatais. Destas, metade tem gasto superior à arrecadação. Não é surpreendente que empresas deficitárias invistam pouco.

O setor privado atende a apenas 6% dos municípios do país, mas é responsável por 20% dos investimentos em água e esgoto. A MP 868 resolve diversos problemas institucionais que travam uma maior participação privada no setor.

Uma das principais mudanças é a obrigatoriedade de concorrência pública para os serviços de água e esgoto em todos os municípios brasileiros. Hoje, o prefeito tem a liberdade de fechar contratos com estatais sem concorrência, o que frequentemente atende a critérios políticos pouco relacionados à porcentagem de brasileiros bebendo água com cocô.

Portanto, cada novo contrato teve ter concorrência, na qual vence quem oferecer menor tarifa, maior eficiência, mais investimentos, maior acesso da população e outros critérios de interesse público. A estatal só vence se oferecer melhores condições.

A MP também estabelece critérios novos para as concorrências públicas. Inclui de maneira mais explícita o investimento em áreas urbanas irregulares, o que pode enriquecer significativamente milhões de brasileiros pobres, através da valorização imobiliária.

Para evitar que este processo de concorrência seja distorcido por decisões locais, os critérios de regulação e tarifa passam a ser controlados pela Agência Nacional de Águas. Também é criado um fundo para investimento direto do governo federal em água e esgoto, levando a um subsídio com critérios mais objetivos.

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Uma das críticas mais comuns aponta que a iniciativa privada teria interesse apenas em grandes municípios. Mas um estudo da CNI aponta que isso não é verdade: 72% das cidades com operação privada têm até 50 mil habitantes.

De fato, grandes regiões do Brasil são pobres e não possuem acesso a saneamento. Mas não faz sentido esconder o subsídio a essas regiões através de estatais caras e ineficientes. É melhor que o dinheiro público seja gasto com destinação explícita no orçamento e focado em quem precisa.

O Brasil pode terminar o semestre mais próximo de um grande avanço para a saúde, para o patrimônio dos brasileiros de baixa renda e para suas crianças cuja capacidade cognitiva fica abaixo do potencial. A MP 868 é importante para diminuir o fosso entre o que gastamos e o que é necessário gastar. Nos resta saber o resultado da primeira grande batalha de Jair Messias Bolsonaro.

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